Quem são os leitores da ficção brasileira contemporânea?

Folha de São Paulo - Santiago Nazarian - 12/02/2017

Os números são sempre desanimadores. Num país com 27% de analfabetos funcionais, nem os alfabetizados têm o costume de ler. Nesse contexto, o que sobra para o autor brasileiro contemporâneo, esse ser tão marginalizado? No meio literário, mantém-se o palpite (nem tão sarcástico) de que o número total de leitores de literatura brasileira contemporânea seja o mesmo da média das tiragens: 3.000. Desses, a imensa maioria é formada pelos próprios autores, por editores e jornalistas. Mesmo dentro do cenário acadêmico, nas faculdades de letras, não se conhece bem a literatura produzida hoje no país. Se é uma falácia dizer que escritores não são lidos por seus pares, mais correto parece ser inferir: os escritores são lidos apenas por seus pares.

"Eu também escrevo." Eis a frase que um autor provavelmente mais ouve de seus leitores. Por se tratar de uma arte pautada por conhecimentos técnicos discutíveis (diferentemente da música, por exemplo), a literatura em teoria pode acolher qualquer alfabetizado. E como consensual a ideia de que um grande escritor deve ser um grande leitor, qualquer apaixonado pela leitura se sente impelido a fazer o salto para a autoria.

"Conhece algum leitor de autores brasileiros contemporâneos que não tenha ele mesmo pretensões literárias?", perguntei à minha amiga escritora Simone Campos –como décadas atrás se perguntava "sabe quem está vendendo pó?" (O pó sempre foi mais fácil de se encontrar). Na busca por leitores anônimos, cheguei a abordar uma colega de academia (de ginástica, não se engane), que eu sempre via com um livro. "Quais autores brasileiros atuais você lê?" Ela pensou por um tempo, procurando nomes. "Comprei o livro do Julián Fuks... mas me roubaram." Foi tudo o que conseguiu achar (ou perder). Na ocasião, ela lia a italiana Elena Ferrante, coqueluche da hora com sua tetralogia napolitana.

Mas não haveria um pequeno percentual que acompanha a safra brasileira recente, não escreve –ou ao menos não trabalha (ainda?) com isso? Uma boa resposta tem vindo das redes sociais. Hoje, um escritor ativo no Facebook logo identifica meia dúzia de nomes "reincidentes", uma turma sempre a postos para divulgar lançamentos, comentar as resenhas e discutir com os próprios autores, mas que ainda não desempenha papel preciso no meio. São os leitores perfeitos... ou quase.

Aqui cabe um detalhamento do foco da "investigação" que move esse texto: falamos de ficção literária, de literatura de densidade estética. Isso porque na literatura comercial brasileira, já se tornou comum ver milhares de fãs juveníssimos a formar filas em bienais, acompanhando seus autores favoritos como ídolos pop.

O estudante Iuri Keffer é um desses. Aos 20 anos, está migrando das obras juvenis e comerciais para as mais densas. Começou a ler por ser fã de terror; nas rodas da literatura de gênero, encontrou jovens autores que se promoviam nas redes sociais.

Essa possibilidade de proximidade foi o que o seduziu na literatura brasileira. Morando em Vitória (ES), nunca encontrou uma cena local efervescente. Por isso, viajou até o Rio para estar presente num lançamento da autora de títulos juvenis Tammy Luciano, uma de suas favoritas. Hoje também de olho numa eventual carreira de escritor, ele mergulha nas páginas mais exigentes de jovens como Luisa Geisler, Sheyla Smanioto e Rafael Gallo.

Tornou-se amigo de vários autores pelas redes sociais e participa das discussões, mas ainda observa perante essa literatura uma posição de humildade. "Às vezes, pego alguns trechos do livro da Luisa e não entendo nada. Mas deixo guardados para quando for um leitor mais experiente", brinca.