Textos sobre o Comendador Ananias Arruda e o Jornal “A Verdade”

ANANIAS ARRUDA (23.05.1886) / Miguel Edgy Távora Arruda - Era uma radiosa manhã de primavera, aquela de 23 de maio de 1925. Debruçado à varanda de nossa casa, em Lisboa, onde então moravam os meus pais, eu aguardo ansioso aqueles tios do Brasil, de que tanto se fala ultimamente. Eis que chegam e com a curiosidade irrequieta de meus 6 anos mal completos, corro à porta para recebê-los. São os meus tios Ananias e Donaninha. Tomando parte na Grande Peregrinação Brasileira do Ano Santo, ao Oriente: Grécia, Turquia, Egito, Palestina e Síria, sem falar nos países da Europa: Itália, França, Espanha e Portugal.

Após os primeiros momentos de euforia da chegada, ponho-me a observá-los com meus olhos de criança. Ela é de talhe fino, esguio, em seu vestido branco de mangas compridas de onde emergem as mãos alvas, delicadas, que se agitam na gesticulação viva que acompanha as palavras e as frases, a contar fatos e episódios da viagem. O rosto oval, de pele muito branca, sem pintura, quase pálido, onde se destacam os olhos verdes, grandes, com pequenas rugas a assomar-lhes os cantos. Os cabelos castanhos, longos, presos no alto da cabeça, tendo a cobri-los um chapéu de abas largas que ela tira com desenvoltura. Pretextando cansaço, deixa-se cair numa poltrona e tira os sapatos de salto alto, libertando os pés envoltos em meias de seda muito fina, deixando antever os dedos que ela exercita para desentorpecê-los. No conjunto, tem algo de fragilidade.

Ele é de altura mediana, magro, cabeça pequena, rosto comprido, a pele corada, o cabelo e o bigode castanho claro, os olhos azuis. No seu todo denota-se energia, determinação. Alguém menciona que é o dia do seu aniversário, em que completa 39 anos, e renovam-se os abraços, as felicitações. Até parece que a alegria se torna maior e a felicidade mais contagiante. E assim se passa o dia até que, já à tardinha, lá se vão eles de volta ao navio que os levará pelo Mediterrâneo à fora, para a grande aventura que me empolga, que me assombra: a grande aventura de ir ao Oriente em visita às terras onde Jesus nasceu, viveu e morreu.

Anos se passam. Retornamos ao Brasil, ao Ceará, Baturité. Aquele primeiro contato se renova e se torna agora permanente, no convívio diário de quem vive na mesma cidade, lado a lado, e tem a unir-nos uma afeição familiar profunda apanágio de toda uma família. E, a despeito de algumas diferenças de opinião que nos levam a divergir em muitos casos, pouco e pouco vai crescendo na criança, no moço, no jovem e no homem que caminha pela vida, a admiração, o respeito e a estima por esse tio, pela maneira como vive, pelo que faz, pelo que é: por sua Fé indômita que o leva a proclamá-la a todo o instante; por sua força de vontade insuperável que o leva a nunca desistir; por sua capacidade de trabalho extraordinária que parece não lhe dar fadiga; por seu otimismo constante que o faz ver sempre algo de bem mesmo naquilo que nos parece desastroso; por sua falta de respeito humano que o faz agir com desassombro sem medo do que possam pensar ou dizer; por sua coragem e destemor que o levam a enfrentar os adversários sem receio do que lhe possa acontecer; por seu espirito de amor ao próximo que o impele a doar os seus bens, e fundar escolas, colégios, instituições de caridade: ambulatórios, maternidades, hospitais que farão o bem não só a poucos, mas a muitos, e não só agora, mas de maneira permanente, ao em vez daqueles que se limitam a fazer a caridade dando esmolas que beneficiam apenas aos que as recebem; por jamais ter odiado mesmo quando alvo de rancor; por nunca se deixar abater, por maior que seja o insucesso; por jamais transigir com o erro, mesmo que isto lhe cause prejuízo; por ter feito o bem, mesmo quando lhe desejam mal; por ter sempre perdoado, mesmo quando vítima de injustiças. E, quando alguns, já no ocaso da vida, dele se acercam a pedir o seu perdão, generosamente ele o dá, pois que há muito já o havia dado.

Nasceu a 23 de maio de 1886, em Santo Antônio do Aracati-Açú, Município de Sobral, Ceará, sendo filho do Cap. Miguel Arruda e de Dona Maria do Livramento Vasconcelos Arruda. Em 1891, com apenas 5 anos de idade, veio para Baturité, em companhia de seus pais e irmãos, e aqui cursou, sucessivamente, as Escolas Primárias do Professor Viana e das Professora Maria Maia e Maria Estelita; o Ateneu Baturiteense dirigido pelos Professores Galdino Chaves e Luiz Gonzaga Gomes da Silva; e o Colégio Nogueira do Professor Joaquim da Costa Nogueira, tendo concluído o Curso de Humanidades, como interno, no Educandário mantido pelo Pe. Dr. João Augusto da Frota, em Guaramiranga, na Serra de Baturité.

Em 1902, iniciou sua vida prática passando à atividade comercial, tendo participado das firmas Antônio Arruda & Irmão, Arruda & Irmãos e Arruda & Filhos, como sócio de seus irmãos Antônio, José e Vicente e de seu pai Miguel de Arruda. Desde muito moço dedicou-se a uma profícua atividade social e religiosa: foi o fundador da Conferência Vicentina de São Luiz de Gonzaga (17.12.1900); da Escola Paroquial do Menino Deus (25.08.1901) da qual foi professor e diretor por muitos anos; do jornal ''A Verdade'' (08.04.1917) mantido às suas custas e do qual ainda hoje é Diretor; do Círculo de Operários Católicos São Jose de Baturité (13.07.1924) e de seus núcleos do Patiú, Candéia e Bananeiras, além dos Círculos de Aracoiaba e Sto. Antônio do Aracati-Açú; da Vila dos Pobres São Vicente de Paulo (01.12.1940) com 15 casas por ele construídas e doadas às Irmãs de Caridade para abrigo de indigentes; do Ambulatório São José (17.09.1949) também construído e doado por ele às Irmãs de Caridade para socorro aos doentes pobres; do Pavilhão Cap. Miguel de Arruda, em Sobral, Ceará, (23.09.1949) construído às suas custas em comemoração do centenário de nascimento de seu pai, como parte do Abrigo Sagrado Coração de Jesus, obra de amparo social de Dom José Tupinambá da Frota, Bispo daquela Diocese; e de uma Igreja dedicada a Nossa Senhora do Livramento construída por ele na fazenda Bilheira, em Santo Antônio do Aracati-Açú, Município de Sobral, (04.01.1956)em comemoração ao centenário de nascimento de sua mãe.

Casou-se a 17.09.1911, em Baturité, com Ana Custódia dos Santos, filha de Custódio Cândido dos Santos e Águeda dos Santos, sobrinha do então Vigário de Baturité, Mons. Manoel Cândido dos Santos. Em 1925, em companhia de sua esposa, tomou parte na Grande Peregrinação Brasileira do Ano Santo a Roma e à Terra Santa. Sofreu um duro golpe com o falecimento de sua esposa a 19.01.1941, o que o levou a construir uma Capela em Saboeiro (dezembro de 1941), no local da casa onde ela nascera e outra em Pacoti (19.01.1942) no local de seu falecimento. Deve-se à sua iniciativa e à sua valiosa e decisiva cooperação a vinda para Baturité dos Padres Jesuítas (1922) e a fundação de sua Escola Apostólica (15.08.1927); o estabelecimento, em Baturité dos Padres Salesianos e a fundação de seu Colégio Domingos Sávio (01.01.1930); a vinda para Baturité, das Irmãs Salesianas e a fundação de seu Instituto Nossa Senhora Auxiliadora (19.03.1932); e a vinda para Baturité das Irmãs Filhas da Caridade e a fundação da sua Casa dos Pobres Santa Luiza de Marillac (20.01.1933)a que se seguiu o Patronato Nossa Senhora do Livramento (dezembro de 1942).Noutros setores de atividade, coube-lhe figurar como um dos fundadores da Associação Comercial de Baturité, da qual foi Presidente por vários anos, bem como do Sindicato Rural e do Banco Comercial e Agrícola de Baturité (15.08.1930), a primeira entidade de crédito criada no Município.

Em 1935, foi nomeado Prefeito Municipal de Baturité, investidura posteriormente confirmada por sufrágio popular, cargo que ocupou até 16 de maio de 1943, período em que prestou assinalados serviços à cidade como gestor da cousa pública. Em 1938, recebeu do Papa Pio XI o privilégio especial de conservar, em Capela Privada, na sua residência, o Santíssimo Sacramento, concessão renovada, sucessivamente, pelos Papas Pio XII, João XXIII e Paulo VI. No setor da Ação Católica, promoveu, durante vários anos, Congressos e Semanas Eucarísticas Paroquiais, com o apoio e a cooperação dos Arcebispos de Fortaleza, Dom Manoel da Silva Gomes e Dom Antônio de Almeida Lustosa, em como de outros insignes dignatários da Igreja, sendo que, em determinada ocasião, chegou a reunir, em Baturité nada menos de seis Arcebispos e Bispos, para um destes Congressos Eucarísticos. Em 1950, voltou a tomar parte na Peregrinação Brasileira do Ano Santo.

Em 1953, mediante financiamento que obteve de seu grande amigo o ilustre baturiteense, Luiz Severiano Ribeiro, residente no Rio de Janeiro, construiu em Baturité, uma moderna Maternidade que recebeu o nome de Maria Felicia Ribeiro e passou a funcionar sob a direção e administração das Irmãs Filhas da Caridade. Em 1956, graças a financiamento de outro seu particular amigo e, também, ilustre baturiteense, Osiel Pinto, residente em Fortaleza, construiu um grande Hospital, anexo à Maternidade, que recebeu o nome de José Pinto do Carmo, cuja direção e administração também foi entregue às Irmãs de Caridade.

Em 1958, mediante financiamento próprio e de várias ilustres famílias baturiteenses, construiu no alto de um dos morros que dominam a cidade, um belo monumento à N. S. de Fátima, com 9 metros de altura, magnifica obra do escultor Pedro Odisio, e, na encosta do referido morro, uma grande Via Sacra Pública, obras de reconhecido mérito por seu significado religioso e cultural.

Em julho de 1952, foi agraciado pelo Papa Pio XII com a Comenda de Cavaleiro da Ordem de São Silvestre e, em janeiro de 1958, tornou a ser novamente agraciado, ainda pelo mesmo Papa, com a Comenda de Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, pelos relevantes serviços prestados à causa da Igreja.

E em 23.05.1976, por ocasião de seu nonagésimo aniversário de nascimento, foi alvo de significativas homenagens do povo e das autoridades Eclesiásticas e Civis do Estado e do Município, e, em particular, de sua numerosíssima família, cujos membros, vindos dos mais distantes recantos do Brasil, acorreram a Baturité e aqui realizaram um memorável encontro familiar.

Miguel Edgy Távora Arruda

Texto publicado na Revista do Instituto Histórico do Ceará, em1978 - Link, abaixo

https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1978/1978-OsArrudasdeBaturite.pdf

Publicado, também, no Blog do Museu Comendador Ananias Arruda

Link, abaixo

http://blogdomuseucomendadorananiasarruda.blogspot.com/2019/11/por-miguel-edgy-tavora-arruda-os.html


ANANIAS ARRUDA – ORIGEM E PRIMEIROS TEMPOS

Nasceu Ananias Arruda a 23 de maio de 1886, na Freguesia de Santo Antônio do Aracati-Açu, Município de Sobral, no Estado do Ceará, sendo filho do Cap. Miguel de Arruda e D. Maria do Livramento Vasconcelos Arruda. Era neto paterno de João José de Arruda e Maria Quitéria de Jesus Lopes de Aguiar e materno de José Rodrigues de Vasconcelos e Francisca Bezerra de Araújo. Era bisneto, pelo lado paterno, do português Amaro José de Arruda e da paraibana Ana Maria da Conceição, e de Narciso Lopes de Aguiar e Maria Quitéria de Araújo Costa, e, pelo lado materno, de Domingos Rodrigues de Vasconcelos e Antônia Maria do Espírito Santo e de Joaquim Bezerra de Araújo e Tereza Maria de Jesus. 

Em julho de 1891, sua familia transferiu-se para Baturité, também no Estado do Ceará. Chegando à Baturité, com apenas cinco anos de idade, em companhia de seus pais e irmãos, Ananias Arruda cursou, sucessivamente, as Escolas Primárias do Professor Viana (Raimundo Joaquim da Silva Viana) e das Professoras Maria Maia e Maria Estelita. Frequentou, depois, o Ateneu Baturiteense dirigido pelos Professores Galdino Chaves e Luiz Gonzaga Gomes da Silva e o Colégio Nogueira do Professor Joaquim da Costa Nogueira, tendo concluído o Curso de Humanidades em Guaramiranga, em 1901, como interno, no Educandário mantido pelo Pe. Dr. João Augusto da Frota, Sacerdote de Grande cultura e saber, ordenado em formado em Roma, na Universidade Gregoriana.

Já no ano anterior, ainda como estudante e quando tinha apenas 14 anos de idade, juntamente com seus irmãos Antônio e Jeremias, os irmãos Vasco e Luiz de Gonzaga Furtado, Bezerra Filho, Júlio Severiano, Manoel Bezerra, Vicente Soares e outros, e sob a inspiração do então Vigário de Baturité, Mons. Manoel Cândido dos Santos, Ananias Arruda tomou parte, a 16 de dezembro de 1900, na fundação da Conferência Vicentina de São Luiz de Gonzaga, da qual foi o primeiro Presidente o seu futuro cunhado Luiz de Gonzaga Furtado e, posteriormente, ele próprio até o fim de sua vida. No ano seguinte, com apenas 15 anos de idade e ainda estudante, foi Ananias Arruda indicado pelo mesmo Vigário, para Professor e logo depois Diretor da Escola Paroquial do menino Deus para crianças pobres, fundada a 25 de agosto de 1901, cargos que exerceu e ocupou por muitos anos. 

Em 1902, concluído, o Curso de Humanidades, chamado então de “Preparatórios”, e não sentindo vocação para o Sacerdócio que o levaria para o Seminário, e nem inclinação para Direito ou Medicina, o que o levaria para o Seminário, e nem inclinação para Direito ou Medicina, o que o levaria para o Seminário, e nem inclinação para Direito ou Medicina, o que o levaria para as Academias de Olinda ou Salvador, decidiu-se Ananias Arruda pela atividade empresarial iniciando sua vida prática com apenas 16 anos de idade. Passando à atividade comercial, participou das firmas Antônio Arruda & Irmão, Arruda & Irmãos e Arruda & Filhos, como sócio de seus irmãos, Antônio, José e Vicente e de seu pai Miguel de Arruda. Procurando cumprir o preceito evangélico de vestir os nus, dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede e visitar os encarcerados, muito moço, ainda, Ananias Arruda dedicou-se a uma profícua atividade social e religiosa. Assim, além de participar da Conferência Vicentina de São Luiz de Gonzaga e ser Professor da Escola Paroquial do Menino Deus para crianças pobres, Ananias Arruda fundou, em 1904, quando ainda tinha 18 anos de idade, o Círculo Católico de Baturité, entidade Cultural e de Doutrinação. 

Tendo sido instituídas pelo Vigário Mons. Manoel Cândido dos Santos, desde 1898, a visita semanal aos presos da Cadeia Pública de Baturité, e a realização anual de sua Páscoa, encargos esses que o Vigário passou, em 1900, à Conferência de São Luiz Gonzaga, Ananias Arruda assumiu pessoalmente essa responsabilidade a partir de 1901, quando tinha apenas 15 anos de idade, o que fez até o fim da vida.

Miguel Edgy Távora Arruda

Texto publicado no Jornal “A Verdade” – Baturité-CE – Nº 2968 – 23 de maio de 1986, p. 3.


O APOSTÓLICO ANANIAS ARRUDA

Por Parsifal Barroso 
(Ex-Governador do Estado e Ex-membro do Instituto do Ceará)

Creio não chegar ainda a destempo com minha sentida homenagem ao notável cearense e vero apóstolo da Igreja, que foi o meu saudoso e inesquecível amigo, Comendador Ananias Arruda. Presto-a, aliás, quando já surgem os primeiros frutos da floração de graças, oriunda da sua vida eterna em Deus, como sempre o fez em sua benemérita vida de perfeito católico que soube ser, servindo de exemplo a todos quantos o admiravam sem poder segui-lo.

Notícia “A Verdade” nos seus últimos números, a ato criador da Fundação Comendador Ananias Arruda, destinada a manter o Museu que será encimado pelo seu nome venerando, e a sustentar esse baluarte da escassa imprensa católica, que é o semanário por ele fundado, para sustentar a verdade católica.

Sempre lhe disse que o considerava um Bispo leigo, pois suas obras apostólicas talvez não pudessem ser realizadas se Baturité fosse elevada a um bispado residencial. Agora que ele se foi para Deus gozando a verdadeira vida que não tem fim, relembro ao povo cearense que dentre suas inúmeras iniciativas, sempre destaquei a sequência benemérita dos 10 Congressos Eucarísticos Paroquiais que sua ardente fé eucarística o levou a realizar, fiel ao “nec laudare sufficis”, do “Lauda Sion”. 

Bem fez a Santa Sé em lhe conceder o privilégio de ter em sua residência a presença vital do nosso irmão Jesus Cristo de mais valia que as duas condecorações pontifícias com que foi agraciado pela Igreja e pelo Papa a quem serviu com extremos de dedicação, devorado pelo zelo apostólico. Transmiti-lhe essa convicção minha, na luminosa manhã em que o inesquecível D. Antônio Lustosa o condecorou em praça pública, tendo-me ao seu lado como Governador do Ceará que eu era, ao tempo em que fez jus a essa segunda e mais alta condecoração papal. Recordo-me de que não aceitou minha assertiva, por ser imenso o seu amor a Igreja, a ponto de ver como encantos amáveis aquelas condecorações de brilho inferior ao de sua forte e crescente fé eucarística.

Conservou-se impoluto e intrépido na sua convicção católica, mesmo quando se defrontou com as inovações e mudanças dos novos tempos, e sentiu ao vivo quão difícil e árdua se tornara a prática do bem em favor do próximo, e mais difícil ainda o alcance da justiça. Como já acentuei, espero muitas benesses da Fundação que se criou em Baturité, pois ela nasce sob o patrocínio daquele em cuja honra e memória funcionará, contando com as graças que o apóstolo Ananias Arruda garantirá em seu favor, na vida mais alta e mais pura em que se encontra, na bem-aventurança do “cernens facies”, em que sempre acreditou, sedento desse encontro. Vejo-o a se desdobrar, agora, no espaço e no tempo, através da Fundação que tem o seu luminoso nome de Apóstolo de Baturité e da diocese de Fortaleza.

Não choro sua morte, já de há muito esperada, porque ele sempre foi fiel à sua consciência católica e à sua herança cívica, bases de sua adamantina formação de líder católico e apóstolo da Igreja. Dirijo-me ao imortal Comendador Ananias Arruda, dentro do espírito de penitente oração em que vivo, fiel à mensagem de Fátima, sentindo e sabendo que ele continua à frente de Fundação, dentro do Museu e na direção de sua admirável “A Verdade”, verificando a tudo com as graças de sua alma de eleito de Deus.

N. R. – Artigo escrito e publicado por ocasião do falecimento de Comendador Ananias Arruda, a 26 de janeiro de 1980.

Publicado no Jornal “A Verdade” – Baturité-CE – Nº 2968 - 23 de maio de 1986. p.12.

Publicado, também, no Blog – memórias. Link, abaixo.

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COMENDADOR ANANIAS ARRUDA

Maria Julietta Távora de Arruda Monteiro
Sobrinha paterna, ex-aluna salesiana.

Neste enriquecido documentário do Jornal “A VERDADE” e dos registros do livro “COMENDADOR ANANIAS ARRUDA: um exemplo de vida cristã, política e social” de autoria de meu irmão, CLEMENTE OLINTHO TÁVORA ARRUDA, em dois volumes, que trata da vida gloriosa e brilhante do tio Ananias, eu achei que muito pouco, ou quase nada, foi dito do período de 23/05/1976, data do seu nonagésimo aniversário de nascimento a 26/01/1980, data de seu falecimento.

Acredito que as festividades comemorativas da passagem de seus 90 anos, foi o último evento social ao qual compareceu e participou. Depois deste “ENCONTRO DE FAMÍLIA E AMIGOS”, o tio Ananias decidiu viver recluso em sua modesta e simples residência, situada a Rua Tereza Cristina, nº 708 – CENTRO – Fortaleza-Ceará. Não mais frequentou às Igrejas para participar dos atos religiosos e passou a ter uma vida contemplativa em sua capela particular, onde permanecia horas em oração.

Corajoso e confiante na proteção de Deus, sempre se colocou a serviço da IGREJA, da FAMÍLIA e dos POBRES. Iluminou com sua FÉ, SANTIDADE, HUMILDADE E SABEDORIA a vida de todos que o procuravam e a sua VELHICE foi uma fonte de GRAÇA E BENÇÃO. Sempre foi muito lúcido e fez de sua residência o seu mundo solitário, mas, acima de tudo, sagrado e de oração.

 Revestido de serena paz, recebia, com afabilidade, alegria e simpatia, seus familiares e com eles falava das coisas de DEUS, de sua paixão de evangelizador, de sua fé, de sua energia e de seu zelo apostólico. Despojado de seus recursos financeiros, de suas propriedades rurais e outros bens materiais, vivia modestamente de uma aposentadoria da Previdência Social de valor mensal não superior a quatro salários. Em vida, distribuiu todo o seu patrimônio e fez significativas doações para beneficiar os pobres desabrigados, ordens religiosas, hospitais e tudo fazia com generosidade e desprendimento.

Sua condição financeira ficou tão precária que era visível a sua pobreza franciscana. O arcebispo de Fortaleza – Dom Aloisio Lorscheider, por ocasião de uma visita à sua residência, achou por bem convencê-lo a receber de volta uma propriedade – SÍTIO SÃO MIGUEL – BATURITÉ-CEARÁ – que havia recebido dele, em doação. Alegou Dom Aloísio, que a doação se destinava a uma reforma agrária, mas como não havia sido feita, não tinha sentido a Arquidiocese continuar com a propriedade. A venda deste sítio lhe assegurou uma fonte de renda razoável, necessária a sua manutenção de forma mais tranquila e estável.

TIO ANANIAS sempre recebeu atenções especiais de seus sobrinhos com destaque honroso para meu irmão – MIGUEL EDGY TÁVORA ARRUDA - que se colocou à sua disposição. Passava em sua residência todos os dias e tudo fazia para que nada lhe faltasse. Recebeu, também, cuidados especiais e afetivos de suas duas filhas adotivas – ROSINHA E LUIZINHA – e de DONA MOCINHA, que residia com a família há mais de 30 anos e que, embora doente, portadora de deficiência renal grave, era responsável pelos afazeres domésticos e alimentação da família. Nesta tarefa, DONA MOCINHA recebia a ajuda de sua filha ELITA.

No que diz respeito aos cuidados com a saúde, TIO ANANIAS não era portador de doença grave e o Edgy contava com suas duas filhas médicas e uma enfermeira – ANA MARGARIDA – CLÊIDE e FÁTIMA e seu sobrinho médico – ANTONIO CARLOS SANTOS OLIVEIRA que lá comparecia com frequência e atendia com muita disponibilidade qualquer chamado. TIO ANANIAS não se prostou, não perdeu sua lucidez e, assim, respeitados os limites impostos pela idade, viveu seus últimos dias. Sentia-se feliz e agraciado por DEUS. Na tarde do dia 26/01/1980, fomos chamados à sua residência. TIO ANANIAS não passava bem. Lá comparecemos: seu único irmão vivo, RAIMUNDO ARRUDA (meu pai), minha mãe, NOEMY TÁVORA ARRUDA, e alguns sobrinhos acorrendo ao chamado e todos ao redor de sua cama, em oração, faziam preces para que sua entrada no Paraíso fosse plena de luz e ELE recebesse o prêmio merecido que DEUS prometeu aos que lhe fossem fiéis. Meu pai e minha mãe, sentados ao seu lado, seguravam a mão do irmão querido que partia como um justo, herói do Evangelho e da Eucaristia, e que havia colocado em Jesus todas as suas esperanças e fé.

Grandes homens o mundo conheceu. Grandes homens enriqueceram com seus exemplos a IGREJA, a SOCIEDADE e o MUNDO. Nenhum deles foi tão audacioso, persistente, corajoso, capaz de ultrapassar todos os obstáculos, vencer todas as barreiras e limites para cumprir a missão evangelizadora de fé e de amor ao próximo que DEUS lhe confiou como meu tio. DEUS operou maravilhas em sua vida e sempre esteve presente tanto na calmaria como na turbulência. Sua vida é um exemplo para todos nós.  

TIO ANANIAS, obrigada pelo que você representou e representa para nossa família. No céu, rogue a Deus graças e bençãos especiais para todos nós que temos o privilégio de fazer parte de sua família.

Publicado no Blog “Memórias”. Link, abaixo

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FESTA NUPCIAL

Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg

Naquela manhã o sol despontou inundando de luz a cidadezinha pacata, encravada no sopé da serra de Baturité. Era o dia 17 de setembro de 1911. Na casa do Coronel Miguel de Arruda, um burburinho de regozijo pairava no ar. Tudo estava pronto para as núpcias de Ananias, o sexto filho do casal Miguel e Livramento. Festa de casamento na família já virara uma rotina, pois Ananias era o sétimo filho a contrair matrimônio. Entretanto, aquela festa se apresentava especial, já que o noivo contratara um fotógrafo de Fortaleza para registrar tão auspicioso acontecimento. Fotografia era novidade, nos idos de 1911, em Baturité, e todos estavam ansiosos para conhecer o novo invento que captava e congelava a imagem das pessoas. 

A família crescera muito, desde que o Coronel Miguel de Arruda chegara à Baturité, em julho de 1891, com sua esposa, sua sogra, duas cunhadas e sete de seus filhos. Nasceram mais três filhos; João, o primogênito, casara-se com Mariana, em 1898, e era pai de cinco filhos; Vicente casara-se com Joana, em 1901, e não tinha filhos; José casara-se com Esther, em 1907, e, na ocasião, tinha um filho; Antônio casara-se com Júlia, em 1904, e já tinha cinco filhos; Jeremias casara-se com Margarida, em 1909, e era pai de um filho; Adelina, um ano mais nova que Ananias, casara-se, em 1905, com Luiz, e era mãe de cinco filhos; Eurico, Raimundo e Mimosa eram solteiros. 

Ananias, o noivo, um jovem de 25 anos, encantara, com seu olhar sonhador de um azul profundo, uma bela adolescente e dela se encantara, também. A noiva, Ana, filha de Custódio e Águida, possuía uma beleza quase angelical, no desabrochar dos seus 16 anos. A cerimônia de núpcias, celebrada pelo Monsenhor Manoel Cândido, tio da noiva, foi pela manhã na Matriz de Baturité. O cortejo saiu da casa de Miguel de Arruda com todos os familiares do noivo e da noiva, além dos convidados. O vestido branco de brocado, fechado até o pescoço e ornado com pedrarias e joias, realçava o candor virginal de Ana. A cintura bem fina, marcada com uma rosa, dava-lhe, paradoxalmente, um toque sensual. Uma grinalda de pedras preciosas prendia o véu de tule de seda que, ao mesmo tempo, escondia e destacava a beleza da noiva. Ana estava radiante como Ishtar, antiga deusa do Amor, que foi coberta por um véu de vapores da terra e do mar, ao surgir das profundezas. O noivo, Ananias, elegantemente vestido de fraque preto, camisa e luvas brancas, trazia no olhar energia e determinação. 

Após a cerimônia, os noivos receberam os cumprimentos na casa de Miguel e Livramento e todos festejaram aquela união. Chegada a hora da fotografia, os 39 membros da família posicionaram-se e observaram a máquina que tinha um formato de caixa com um pano preto. O fotógrafo olhou o grupo, através dela, com o pano sobre a cabeça. Depois, pediu para que todos ficassem imóveis. Quando ele percebeu que estavam todos em seus lugares e imóveis, abriu o diafragma e expôs por alguns segundos a chapa fotográfica. Depois, fechou o diafragma e a fotografia foi tirada para a posteridade. Os noivos foram fotografados. Ele sentado e ela, ao seu lado, em pé, como era costume da época. As seis noras do casal Miguel e Livramento, todas em pé, lado a lado, foram fotografadas, também. 

Quando se casou com Ana, Ananias já desenvolvia uma profícua atividade sociorreligiosa. Com apenas 14 anos, tomou parte da fundação da Conferência de São Luiz de Gonzaga. Com 15 anos, ainda estudante, foi professor e, logo depois, diretor da Escola Paroquial do Menino Deus, para crianças pobres. Concluiu seu curso de humanidades, em 1902, com 16 anos, iniciando sua vida profissional na firma dos irmãos Antônio, José e Vicente. Em 1904, com 18 anos, fundou o Círculo Operário Católico de Baturité. A visita semanal aos presos da Cadeia Pública de Baturité e a Páscoa anual, Ananias realizou desde a idade de 15 anos até o fim de sua vida. Sua união com Ana foi amalgamada com um amor que perdurou para sempre. Ele, movido por este amor e pela fé indômita, que sempre o acompanhou, realizou grandiosas obras durante sua longa e abençoada existência.

Fortaleza, 16 de dezembro de 2011.

Texto publicado no Blog “Memórias” Link, abaixo.

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A FUNDAÇÃO DO JORNAL “A VERDADE”

Miguel Edgy Távora Arruda

Segundo o Historiador Pedro Catão, em trabalho publicado em “A VERDADE” de 12 de fevereiro de 1922, o primeiro jornal que se publicou em Baturité foi “O Aracoiaba”, aparecido em 1873, editado por Miguel Joaquim Fernandes Barros. Seguiram-se em 1876, “O Baturité” editado pelo Dr. Domingos Carlos Gerson de Saboya e, depois, Amaro Cavalcante; em 1879, “A Ordem”, redatoriado pelo Dr. Antônio Pinto de Mendonça e, posteriormente, pelo Dr. Amaro Cavalcante e, nos anos seguintes, muitos outros num total de 93 publicações, algumas de vida efêmera e outras de duração pouco maior, dentre as quais há que destacar “O Município” do Prof. Galdino Chaves, que surgiu a 15 de março de 1900 e começou a publicar-se em Fortaleza, adquirindo depois oficina própria e um prelo “Marinoni” de fabricação francesa. Foi nessa oficina que se publicou, em 1903, “O Canindé”, primeiro jornal daquela cidade, editado por Cruz Filho e seus primos Augusto Rocha e Thomás Barbosa.

Em 1914, por aquisição do Cel. Francisco Cordeiro de Souza, veio para Baturité outra oficina tipográfica onde se imprimiu o “Correio da Semana” de J. Castellar e, em 1916, “O Momento” de Júlio Severiano. Foi nessa oficina que começou a ser impresso o jornal “A VERDADE” fundado por Ananias Arruda a 8 de abril de 1917, caracterizado como órgão do Círculo Católico, entidade cultural e de doutrinação fundada, também por ele, em 1904, quando tinha apenas 18 anos de idade. Pouco depois, Ananias Arruda adquiriu a oficina e o prelo “Marinoni” de “O Município” que fora para Fortaleza, retornando então, definitivamente, para Baturité e que ainda hoje imprime o nosso jornal com as deficiências compreensíveis numa oficina de tipos móveis e um prelo manual com tantos anos de uso. 

Em 1917, Ananias Arruda teve a inspiração de fundar um jornal sério, imparcial e de doutrinação católica, em contraposição a inúmeros outros periódicos que proloferaram em Baturité na segunda metade do século passado e no começo deste século e que, muitas vezes, se digladiavam ao sabor das paixões político-partidárias, descambando, quase sempre, para o terreno dos ataques pessoais.

Para tanto, contou Ananias com o apoio e o incentivo do Vigário em então, Mons. Manoel Cândido dos Santos, logo designado Diretor Espiritual do novo periódico e a quem coube escrever o artigo de apresentação de seu 1º número. Nos trabalhos redatoriais, Ananias passou a ser auxiliado por dois de seus irmãos: Vicente, recém-chegado do amazonas, onde colaborara como comentarista em vários jornais de Manaus, e Eurico que, moço ainda e poeta irreverente, editava dois pequenos jornais satíricos: “O Maldito” e “O Diabo a Quatro” em que publicava os seus famosos “Testamentos de Judas” ironizando a vida e os hábitos das personalidades mais em evidência na época, gerando protestos junto ao irmão mais velho, Ananias.

E é este jornal que, no dia 8 de abril, completou 69 anos de publicação ininterrupta, semanário enquanto viveu Ananias, mensário desde quando passou oficialmente a ser editado sob a nossa direção, sempre de distribuição gratuita, tradição que vem dos seus primeiros tempos e que procuramos manter como uma homenagem ao seu Fundador e Diretor. Foi esta, sem dúvida, a maior e mais duradora realização cultural do Comendador Ananias Arruda.

Texto publicado no Jornal “A Verdade” – Baturité-CE – 23 de maio de 1986, p. 7, Nº 2968 


ANANIAS ARRUDA, 1886-1986

 Luís Sucupira

Texto acessível no link, abaixo.

https://www.institutodoceara.org.br/revista/Rev-apresentacao/RevPorAno/1986/1986-AnaniasArrudaCentenario.pdf