WHITMAN – POESIA E HUMANISMO / J. R. Guedes de Oliveira

 

Ao lembrar dos 160 anos da primeira edição de Leaves of Grass, de Whitman, fato que ocorreu em 1855, olhamos por duas vertentes que caracterizaram a vida e a obra desse poeta maior norte-americano: o seu lado humanista e a sua quebra dos paradigmas até então absolutos na poesia: estética, rima, cadência e harmonia. 

Poeta brilhante, estudioso das palavras e de suas colocações nos versos (dizem-no que engolia, com sofreguidão, os dicionários e enciclopédias, em busca de todos os verbetes necessários à sua criação), Whitman primou pela mensagens abertas, sem amarras, perfeitas e sólidas para a compreensão de todas as classes sociais. 

A ousadia do poeta, na quebra do verso, nas longas linhas descritas e cuidadosamente engendradas, surgiu num momento de repintura com os clássicos até então dominadores e que permaneciam sujeitos, sempre, ao crivo de uma tradição que perpassava os séculos. 

Mas Whitman venceu este estilo de escrita que norteava os poetas a se preocuparem mais pela estética e métrica  e que, invariavelmente, deixavam de transmitir uma mensagem como sóis ser a poesia. O classicismo das letras universais perpetuou por longos e longos anos, amordaçados pelo estilo das rimas e das  cadências., 

Com o surgimento de Leaves of Grass verificou-se esta quebra de paradigma e avanço, indubitavelmente, nas letras e no estilo de uma carreira imensa de novos poetas desde a Europa, Américas, Ásia e África. Já não se suportava mais a preocupação berrante de se saber ou se querer rimar e cadenciar versos, como isto fosse uma exigência filológica, mais que espiritual. 

Face a toda dinâmica empreendida por Whitman, passou-se a encarar, no universo das letras, a poesia como uma mensagem mais aberta e de fácil compreensão ao homem comum. Já não era mais a poesia um punhado de escritas direcionadas tão somente aos cânones da escrita e do intelectual mas, também, a plebe (se é assim que podemos denominar ao cidadão comum). 

Pode-se discordar de Whitman em muitos aspectos do “eu”, tão comum e tão corrente em seus poemas. Contudo, não se pode negar e nem há como tal, dizer-lhe da sua indiferença para com os múltiplos problemas da época e, porque não dizer, até do momento atual. 

Para uma boa visão dessa estratégica poesia de Whitman, endossando, pois, o conteúdo sempre atual, podemos citar: 

           “Nenhum Animal é Insatisfeito 

Eu penso que poderia retornar e viver com animais, tão plácidos e autocontidos; eu paro e me ponho a observá-los longamente. Eles não se exaurem e gemem sobre a sua condição; eles não se deitam despertos no escuro e choram pelos seus pecados; eles não me deixam nauseado discutindo o seu dever perante Deus. Nenhum deles é insatisfeito, nenhum enlouquecido pela mania de possuir coisas; nenhum se ajoelha para o outro, nem para os que viveram há milhares de anos; nenhum deles é respeitável ou infeliz em todo o mundo”.  

                                                Walt Whitman, in "Song of Myself"  

A preocupação de Whitman para com os aspectos sociais, humanos e econômicos do seu tempo, principalmente de fundo de seu próprio país, revela uma filosofia plantada sob uma característica ímpar de um homem que pensava poesia, fazia poesia, mas não deixava de bater na tecla das condições necessárias para o bom viver entre os homens. Talvez esta tenha sido uma grande cartada que ele mesmo desejava, até porque as suas reflexões nos reportam à uma sabedoria humanística singular. 

A poesia social de Whitman vai além de um simples poeta; transcende ao espiritual e eleva a alma em patamares que, no dizer dos mais rígidos estudiosos, chega-se em “alfa” e “beta”. 

À luz desta reflexão posta em versos, Whitman dá esta cartada e fica no seu canto, meditando, estudando, refletindo e compondo: são os seus 18 anos na cadeira de balanço, lá na sua querida Camden, em New Jersey. 

Em Leaves of Grass, mais especificamente, o poeta fala das condições sociais e democráticas, nas linhas iniciais em prosa. Trata-se, pois, de um poema codificado de sugestões e visões sobre o seu mundo e, em pura verdade, o mundo paradoxal do homem. 

Whitman nos conduz a uma extensa indagação sobre os valores essenciais da vida. A sua poesia é um amplo debate sobre causas e efeitos e, porque não dizer, da mensagem de esperança para um mundo renovado. Não há, pois, como desassociar Whitman da sua própria inconformidade com o “status quo” de uma época efervescente e da sua real profecia. Aliás, ao evidenciá-lo como também profeta, reportamo-nos aos seus poemas e as suas variadas formas de dizer a verdade, tão somente a verdade. E o encontramo-lo na dissertação do seu mundo (do nosso), vagueando na metafísica, como neste poema de brado celestial: 

A BASE DE TODA METAFÍSICA  

E agora, cavalheiros, eu lhes deixo 
Uma palavra 
Para ficar nas mentes de vocês 
E nas suas memórias 
Como princípio e também como fim  De toda metafísica. 
(Tal qual professor aos estudantes  ao encerrar seu curso repleto.) 
Tendo estudado antigos e modernos, 
Sistemas dos gregos e dos germânicos, 
Tendo estudo e situado Kant, 
Fiche , Hegel, 
Situado a doutrina de Platão, 
E outros ainda superiores a Secretas 
Buscando pesquisar e situar, 
Tendo estudado bastante o divino Cristo, 
Eu vejo hoje reminiscências daqueles 
Sistemas grego e germânico, 
Deparo todas as filosofias, 
Templos, dogmas cristãos encontro,  E mesmo sem chegar a Secretas eu vejo  com absoluta clareza,  e sem chegar ao divino Cristo, 
eu vejo 
o puro amor do homem por seu camarada,  a atração de um amigo pelo amigo,  de uma mulher pelo marido e vice-versa  quando bem conjugados,  de filhos pelos pais, de uma cidade  por outras, de uma terra  por outra.  

                     (tradução de Eduardo Francisco Alves e Geir Campos). 

A base principal dos poemas de Whitman refletem o humano, o caráter, a lisura, a transparência e a ética – comportamentos vitais que o poeta faz questão de evidenciar sempre em Leaves of Grass. 

Por certo é que a partir da sua primeira edição, em 1855, muito embora de início fosse sumamente criticado, transformou-se num apêndice aos estudiosos da literatura universal, como este livro (Leaves of Grass) fosse um repositório de normas e condutas para todas as classes. 

Whitman, na realidade, com o aparecimento de sua obra, provocou um clamor geral, que poderíamos classificar com um grito dos excluídos e uma alerta maior para o que ele se propôs a todo instante e a todo momento: a sua inabalável vontade e desejo irretocável da presença, em todas as instâncias, da Democracia – fator que tanto ele lutou e fez-se notar.  

Mais do que tudo, na obra e no pensamento de Whitman, foi a sua dedicação exclusiva à poesia, mas não como apenas um escrito ou tão somente um punhado de palavras jogadas em folhas de papel. Não, o poeta desejou levar a todos uma mensagem e na sua capacidade maior, transmitiu-a de maneira clara e vibrante. Em todos estes momentos de seus versos, há a produção insofismável do humanismo de um homem fadado a ser estudado, perpassando o tempo e objeto de uma lista interminável de admiradores e adeptos à sua causa maior. 

Poderoso na sua concepção de vida, transmudou a sua mensagem de seu país para outros e fez renascer uma nova poesia, um novo momento para a intelectualidade e para os chamados “excluídos do processo humano de vida”.  

Não é difícil compreender Whitman. É preciso ler e reler os seus versos, apreendendo cada verso e cada significado do seu conteúdo. Só desta forma, livre e aberto, saberemos o quanto este batalhador dos versos fez e produziu para a posteridade. 

Afinal, ler Leaves of Grass e reler este compêndio da poesia e tê-lo à cabeceira da cama, próximo ao seu livro sagrado é recomendado a todos, para buscar o clarão de um novo dia e uma luta denodada para a prevalência do amor entre os homens e a união de todos. 

J. R. Guedes de Oliveira