JORNAL DIÁRIO DA NOROESTE – RODRIGUES DE ABREU – 1925 / J. R. Guedes de Oliveira

O Prof. Fábio Paride Pallotta, da Universidade Sagrado Coração, de Bauru, SP, realizou uma fundamental pesquisa sobre a história de Bauru, com o título de “A Estrada de Ferro da Noroeste do Brasil em Bauru e o Diário da Noroeste: um jornal a serviço da ferrovia em Bauru (1925-1930)”. Nessa pesquisa o estudioso relatou, entre outros, o acontecimento envolvendo a figura de Rodrigues de Abreu (Benedito Luís Rodrigues de Abreu (1897 - 1927) e enaltecendo os feitos na cidade que surgia. Uma presença, portanto, marcante para a Cidade sem Limites. Trabalho elaborado em 2009, representa um estudo do mais alto valor, principalmente para Capivari, na figura do seu filho mais ilustre: Rodrigues de Abreu.

Em 03 de outubro de 1925, o jornal Diário da Noroeste assumiu um importante papel no empenho de levantar recursos para o tratamento de uma doença do poeta Rodrigues de Abreu. Nascido em Capivari, Estado de São Paulo em 27 de setembro de 1897, morando em Bauru desde janeiro de 1923 e vendo sua saúde piorar dia a dia, sem recursos para o tratamento, o poeta despertou a consternação do Diretor João Maringoni que se propôs ajudá-lo. Benedito Luís de Abreu, já era então conhecido como Rodrigues de Abreu. Havia publicado seu primeiro livro Noturnos, em 1919, através das oficinas da Gazeta de Piracicaba e Breno Pinheiro, jornalista de renome lhe dedicou alguns comentários e em Campinas conseguiu uma crônica elogiosa. O dramaturgo Celso de Almeida tornou-se amigo e protetor de Rodrigues de Abreu que, além de poeta, também começou a se interessar pela dramaturgia. Com sua chegada, a cidade teve um importante desenvolvimento cultural. Rodrigues de Abreu foi agitador cultural, dramaturgo, poeta e orador do Centro Católico. A antiga revista Capivari em Camisola tornou-se Bauru em Foco, com o poeta interpretando com êxito vários personagens. O amigo Celso de Almeida, em meados de 1924, custeou o livro inédito de Rodrigues de Abreu A Sala dos Passos Perdidos, à época já com os primeiros sintomas da tuberculose16. Elogiado pela crítica e reconhecido por Cassiano Ricardo, um dos principais jornalistas e escritores da época, Rodrigues de Abreu viveu pouco para desfrutar o sucesso. A presença do poeta em Bauru foi notificada em agosto de 1925, destacando sua importância para a vida cultural da cidade. Na coluna Crônica Social, com frequência, apareceram informações a respeito do poeta em Bauru como uma série comentários sobre a sua obra e a comemoração de seu aniversário. Em outubro 1925, a direção do Diário da Noroeste tomou a iniciativa de realizar uma edição falada do jornal para arrecadar fundos para o tratamento de saúde do poeta, numa firme demonstração de que Bauru abraçava um poeta de grande representatividade do meio intelectual paulista.

Em 14 de agosto de 1925 aparecia no jornal Diário da Noroeste:

Crônica Social: Rodrigues de Abreu, um dos mais belos talentos literários da moderna geração brasileira, está desde ontem em Bauru, para regozijo de quantos aqui admiram e lhe querem de todo o coração. Saudando o genial (sic) artista, antecipamos, em espírito, o grande abraço amigo, que logo pessoalmente lhe levaremos.

Em 18 de agosto de 1925, outra notificação:

Crônica Social: Rodrigues de Abreu, artista genial da “Sala dos Passos Perdidos”, que a crítica dia-a-dia consagra como uma das mais altas manifestações da arte poética no Brasil visitou ontem a nossa redação, a trazer-nos o grande consolo espiritual da sua amizade, do seu abraço leal e bom.

O jornalista Cassiano Ricardo, em 19 de setembro de 1925, noticiou a realização, em Campinas, da festa de arte e literatura que os amigos e admiradores do poeta Rodrigues de Abreu ofereceriam a ele para angariar fundos para o tratamento da tuberculose.

No aniversário do poeta em 27 de setembro de 1925 foi noticiado com destaque: Crônica Social. Rodrigues de Abreu. Transcorre hoje o aniversario natalício de Rodrigues de Abreu o poeta de “A Sala dos Passos Perdidos” o que em outro lugar prestamos homenagem pela pena de um dos nossos colaboradores. Rodrigues de Abreu que aqui conta com um vasto círculo de amizades certo recebera hoje inúmeros cumprimentos a que nos associamos.

A partir dos festejos de aniversário preparavam-se as atividades para a arrecadação dos recursos necessários para os cuidados com a saúde do poeta. As atividades seriam uma iniciativa das senhoras e senhoritas da elite local, com o auxílio do jornal Diário da Noroeste.

Na edição número 55 de 03 de outubro de 1925, uma manchete enorme estampava a primeira página do jornal: “O palio protetor estendido sobre a cabeça iluminada de Rodrigues de Abreu, o poeta” Continuava a manchete: ..O poeta inimitável de ritmo cristalino, das estrofes que calam, tão forte, no coração da gente, poderá partir em busca de nova força de saúde. Assim o quer Bauru, a cidade dos gestos generosos, o adoptivo rincão natal da intelectualidade que por aqui passa ou, então que por aqui se fixa. A representação da cidade nas palavras dos redatores demonstra como o grupo ligado ao Diário da Noroeste procurava impor uma representação de uma cidade nova que se modificava, podendo até abrigar intelectual de destaque nacional. O que se chamou de “edição falada” do Diário da Noroeste foi pensada para imitar a redação do jornal e, ao invés de ser impresso, seria elaborado ao vivo pelos redatores, colaboradores e correspondentes no salão do Centro Bauruense. Em sua apresentação o diretor do jornal, João Maringoni, fez um artigo de fundo intitulado “um assunto palpitante”. O redator chefe, Jorge de Castro elaborou uma crônica futurista, que contou com o auxílio de uma orquestra para ser executada nos moldes martinianos, “com nervosa zumbada”. Breno Pinheiro, dissertou sobre o “Jornal de Hoje”. Enquanto o carioca Raphael de Holanda fez uma “palestra ligeira” em torno do tema brasilidade. Todos deveriam cumprir suas atribuições falando como escreviam, de improviso, às pressas no jornal, e foi dado ao público presente o direito de apartearem. Essa edição falada em prol do poeta Rodrigues de Abreu levantou a importância de 1.500$000 réis. Importante ressaltar que esse fato, além de levantar recursos, foi uma atividade intelectual inusitada em Bauru. De certa forma mostrava o caráter moderno que a cidade buscava demonstrar. O poeta, agradecido, retribuiu o gesto dos amigos e admiradores, publicando na primeira página do Diário da Noroeste, dedicado a Paulo Ferraz, redator gerente do jornal, o poema Bauru que se tornou um símbolo do período estudado. Interessante notar é que deu mais ênfase ao automóvel do que à ferrovia, até então único meio de transporte naquele momento capaz de transportar as pessoas e as mercadorias pela zona Noroeste. Nesse poema, Rodrigues de Abreu com muita perspicácia, mostra a convivência de duas cidades: a moderna e progressista ao lado da antiga boca do sertão, antiga frente pioneira do café, que ele sintetiza como uma característica das cidades novas do Brasil novo. Nela ele destacava vários destes e outros contrastes:

BAURU

Moro na entrada do Brasil Novo. Bauru, nome frisson que acorda na alma da gente ressonância de passos em marcha batida para a conquista soturna do Desconhecido! Acendi meu cigarro no toco de lenha deixado na estrada, no meio da cinza ainda morna do último bivaque dos bandeirantes... Cidade de espantos! Carros de bois geram desastres com máquinas Ford! Rolls-Royces encalham beijando na areia! Casa de taboas mudáveis nas costas; bungalows comodistas roubados da noite para o dia. As avenidas paulistas... Cidade de espantos! Eu canto as estrelas suaves dos seus bairros chics, as chispas e os ruídos do bairro industrial! a febre do lucro que move teus homens nas ruas do centro, e a pecaminosa alegria dos teus bairros baixos... Recebe meu canto, cidade moderna! Onde é que estão, brasileiros ingênuos, as úlceras feias de Bauru! Vi homens fecundos que fazem reclamo da Raça! E eu sei que há mulheres fidalgas que ateiam incêndios na matas inflamável dos nossos desejos! Mulheres fidalgas que já transplantaram O Rio de Janeiro para este areal! A alegria buzina e atropela os tristes nas ruas, A cidade se fez a toques de sinos festivos, a marchas vermelhas de música, ao riso estridente, de Colombinas e Arlequins. Por isso cidade moderna, a minha tristeza de tuberculoso contaminada a doença da tua alegria morreu enforcada nos galhos sem folhas das tuas raras árvores solitárias Eu já tomei cocaína em teus bairros baixos, onde há milonguitas de pálpebras murchas e de olhos brilhantes! Rua Batista de Carvalho! O sol da manhã incendeia ferozmente a gasolina que existe na alma dos homens. Febre...Negócios...Cartórios, Fazendas...Café... Mil forasteiros chegaram com os trens da manhã e vão, de passagem, tocados de pressa para o Eldorado real da zona Noroeste! Acendi meu cigarro no toco de lenha deixado ainda aceso na estrada no meio da cinza do último bivaque dos Bandeirantes... E enquanto o fumo espirala, cerrando os meus olhos, fatigados do assombro das tuas visões eu fico sonhando com o teu atordoante futuro, Cidade de espantos!

No poema mais revelador sobre a cidade que o acolhera, Rodrigues de Abreu, teceu loas ao artefato técnico que chegava a cidade e a todos admirava: o automóvel, além de pontuar a vida boêmia que levava na alegria da cidade moderna, onde não havia espaço para sua tristeza de tuberculoso. Confessa ter consumido cocaína nos bairros baixos da cidade, vício que começava a ser condenado pela sociedade devido aos males físicos e a dependência que causava”.

Eis, pois, um interessante e oportuno relato dos últimos tempos do poeta Rodrigues de Abreu passado na sua acolhedora Bauru. Sempre há algo novo a se discutir e revelar sobre a passageira, mas significativa existência do poeta da “Casa Destelhada”. Há momentos de tamanha envergadura, pelo que ele representou no seu tempo. Notem que ele chegou em Bauru, quando a cidade estava nascendo. Fez história, pela sua grandeza pessoal, pela sua personalidade marcante, pelo seu incomparável poder poético.

Benedito Luís Rodrigues de Abreu (1897 - 1927)