O Cangaceiro – Ignorante? Tarado? ou Injustiçado? / POR ONÉLIO JOSÉ PORTO

 - I -

Todo serviço, tem a sua formação inteiramente ligada ao meio ambiente; o cangaço, foi o mais acentuado produto do ambiente social do interior nordestino. Um verdadeiro brado de vingança contra a injustiça social e contra o esquecimento a que estavam relegados os sertões nordestinos. “Epopéia de bravos na luta contra a tirania dos Coronéis desalmados”.

- II - 

Para melhor compreensão dos leitores transcrevemos alguns dados fornecidos por um ex-cabra de Lampião.

O Rei do Cangaço

Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”, nasceu em Vila Bela ou Mantinha de água Branca, no estado de Pernambuco. Desde pouca idade era Comboeiro, e carregava mercadorias de sua terra para Delmiro Gouveia, em Alagoas. Quando ele tinha dezesseis anos de idade, seu pai foi morto, por grupo de soldados comandados pelo Sargento Lucena. Ao saber da morte do pai, Virgulino enfureceu-se e quis vingar-se. Os seus parentes, porém aconselharam-no a dar parte as autoridades, e ele achando ser a medida mais certa, assim, fez. Mas a policia, retornou a fazendo e tal qual da primeira vez que Virgulino lá não estava, destruiu tudo e matou-lhe a mãe. Os soldados, ainda dessa vez foram comandados pelo sargento Lucena. Virgulino de uma coisa ficou certo: não era possível ficar naquelas terras,pois se ficasse os soldados voltariam e era sua vez de morrer. Esses pensamentos, juntamente com o ódio que passou a ter do mundo, foram os incentivos por que ingressasse no Cangaço.

- III -

O rio São Francisco, estava barreira, á barreira, as suas águas temperadas pela erosão pluvial era de um marron sanguíneo. Quatro homens utilizando uma rústica balsa atravessaram o grande rio rumo á Bahia. Um deles cego de um olho era o mais pensativo. Forçados abandonaram o torrão natal. Entraram nessa aventura levando grande saudade de Serra Talhada...

- IV - 

Quando Virgulino entrou no cangaço, achou quem o quisesse seguir; Ezequiel, Antônio e Virginio “Esperança”. Ezequiel era o seu irmão mais novo, Antônio o mais velho e Virginio seu cunhado. Os dois irmãos morreram antes do “Rei do Cangaço”, em combate, e Virginio foi dos últimos a ser trucidado pela polícia. Quando Ezequiel foi morto, Lampião teve um choque fortíssimo pois amava muito seu irmão mais novo. Desse dia em diante, Lampião ordenou que não se poupasse mais vida de “Macacos”, se fosse soldado tinha que morrer.

- V -

Além de muito religioso, Lampião dizia-se um grande justiceiro...Vejamos como aplicava sua justiça, segundo a narrativa de um participante da tragédia. Estávamos acampados em Lagoa do Rancho, no interior da Bahia. Depois de alguns dias, estourou um escândalo: O dono da fazenda onde estávamos queixou-se a Lampião de que um dos seus “cabras” havia estuprado sua filha. Lampião seguido pelo bando, foi ver a filha do fazendeiro, e o quadro a que assistimos era triste: a mocinha estava num estado lastimável. O autor do ato bárbaro fora Sabiá, um rapaz com 18 anos mais ou menos, e novo Bando. Praticado o atentado, Sabiá fugiu para o mato. Lampião, depois de ver o estado em que ficou a filha do fazendeiro, falou secamente: “Volta Seca e Gavião, vão buscar o Sabiá”. Eu e Gavião saímos a procura de Sabiá, quando nos aproximamos do local ele estava entrincheirado, e gritou: Não avancem, eu abro a cabeça dos dois com uma bala: - Sabiá, o capitão quer falar com você! – Se ele quer falar comigo, venha ele mesmo me buscar! Achei muita ousadia, mas não tentei capturá-lo...Olhei para o meu camarada e retornamos á fazenda. Lampião quando nos viu sozinhos, perguntou indignado: “Cadê ele?” – Sabiá está entrincheirado, ali, embaixo atrás de uma pedra; - “Porque não trouxeram ele?” – Porque ele nos matará; nós dissemos que o Capitão queria falar com ele. Mas ele respondeu: Pois venha ele mesmo se quiser. Foi a conta! A testa de Lampião franziu-se, os lábios se comprimiram e, serrilhando os dentes disse. Eu vou buscar esse cão.

- Não avance nem mais um passo, capitão, que eu atiro! Ninguém vai me pegar, dizia Sabiá.

Lampião olhou-o por um momento e, de repente, falou:

- Você não atira em ninguém, menino. E avançou. Avançou resoluto, com Sabiá fazendo pontaria para ele. A todo instante eu esperava o estampido assassino do fuzil de Sabiá. Mas o tiro não saiu. Frente a frente com Sabiá, Lampião gritou: “Atira cachorro! Atira”” E Sabiá não atirou...Pelo contrário, arriou o fuzil. Foi seu fim pois Lampião, rápido, deu com a coronha de seu fuzil na cara do rapaz, que rolou pelo chão, ensangüentado. Eu e Gavião aproximamo-nos depressa do local e Lampião mandou que o levássemos á fazenda. Desarmei Sabiá, eu de um lado e, Gavião do outro. Levamo-lo de volta, enquanto Lampião ia á frente, a passos rápidos. Sabiá estava tonto, com a boca arrebentada e todos os dentes da frente quebrados. Sangrava muito e vinha amparado por mim e Gavião.

Na fazenda, todos se acercaram de nós. Eu sabia que a coisa ia ter um fim trágico, pois Lampião estava furioso. Foi feito um círculo de gente e, no meio dele, Sabiá, ladeado por mim e Gavião com Lampião na frente, que olhava sem afastar por um segundo sequer os olhos de Sabiá. Olhava-o com ódio, sem dizer nada, e o silêncio era completo, pois ninguém ousava falar Sabiá mal se agüentava em pé. Estava vencido. Vencido e convencido. Lampião, então, pôs-se a falar: - Vais morrer porque não presta, cão. É por causa dessas coisas que falam mal da gente, por ali. Mas eu te dou um exemplo, pra todos saberem que o bando de Lampião tem vergonha.

E apontando para dois empregados da fazenda, ordenou: “Vocês dois ali, cavem um buraco pra enterrar esse cabra! ” Os homens obedeceram e, de enxada em punho, puseram se a abrir a cova. Sabiá não falava e tenho até impressão de que não compreendia o que se passava. Depois de alguns minutos, a cova pronta, isto é dada como pronta por Lampião, apesar de não ter mais de dois palmos de profundidade, mandou ele que os dois homens parassem e, apanhando uma “Berbere”, apontou para a cara de Sabiá, que nem moveu a cabeça. Quem estava atrás de Sabiá correu pra se abrigar. Lampião fez a pontaria e gritou: “Vai-te pros infernos, cão”. E deu no gatilho!

Sabiá caiu morto, mas Lampião continuou a atirar. Houve quem contasse quinze tiros...Aquela expressão: “Vai-te pros infernos, cão” era muito comum a Lampião, quando matava alguém naquelas condições. Saciada sua fúria assassinada, Lampião ordenou aos dois empregados que abriram a cova: “Joga este peste aí! Cachorro se enterra de qualquer jeito!” 



O Cangaceiro – Ignorante? Tarado? ou Injustiçado?
PORTO, Onélio José. Pingos e respingos. Gráfica Mauro Morais Ltda, 1976.
Pag. 44, 45, 46 e 47 .