LIVROS E O DRAGÃO QUE COSPE FOGO / JOÃO SCORTECCI

Livros são dragões do outro mundo. Imperativos! Aos desavisados: fujam deles, se puderem! Depois do encantamento viral e do vício maculado, não adianta blasfemar, resmungar, espernear, nem cuspir fogo pelo nariz. Você - agora - é também um dos nossos! Um dragão que lê!
No princípio - quando a poesia voava livremente - procuravam-se no céu as devidas preferências, o gosto singular da escolha, a razão ímpar das coisas e, mais do que tudo, buscavam-se as empatias pela vida. Laço dos laços laçados! Passam, apertam, soltam-se e avançam no tempo, mas eles - os pareados do coração - ficam nas linhas, impregnados no espírito. Tornam-se “nós de nós mesmos” e se incorporam fiéis à nossa existência. Ocupam as nossas fragilidades, as nossas ingenuidades e fazem de nós dragões templários. Cavaleiros de Gutenberg.
Os livros - bons ou ruins - são espaçosos, desconfiados, egocêntricos e maviosos. Quando desalinhados ou de ponta-cabeça, mostram-se incomodados e reclamam, até nos ameaçam, com olhos de reprovação espacial. O que - então - fazer para cativá-los? Faço igual cachorro tinhoso: agrado o lombo, folheio páginas, redobro suas orelhas, faço releituras e os troco de lugar na estante. Quase sempre, ou vez por outra, funciona! Livros são dragões de luz. Confesso: é delicioso mostrá-los aglomerados, enfileirados. Minha biblioteca! Perguntam, sempre: “Você já leu tudo isso?” Respondo: “Claro que não!” É a glória. Com o tempo - veloz e desleal - a verdade chega ao espelho do que nos tornamos: dragões! As pilhas de livros não lidos crescem no chão úmido de Babel. Entravam o caminho de pedras.
Lembro-me, de passagem, do poema de Drummond e logo o esqueço. Dou-me - mais apropriado – registrar aqui o paradoxo de Sócrates: “Sei uma coisa: que eu nada sei!” Não adianta blasfemar, resmungar, espernear, nem cuspir fogo pelo nariz. O dragão do Senhor de Ye - fábula do amor pelos dragões - perdeu-se nas histórias da infância. O Senhor de Ye e o seu dragão de fogo não eram mesmo de verdade. Ademais, tudo voa, voa e fica.