Livre... Leve... Solta... (Mulher Umedecida - Maria Mortatti) - Por Zina Bellodi

Penso que, se quisesse, Maria teria escrito um livro com poemas de estrofes e versos regulares. Respeitadas as devidas proporções, mais um caso de poeta que revoluciona pelo modo como apresenta seus temas, usando versos de talhe clássico ou, pelo menos, tradicional; assim fez Mário de Sá-Carneiro que, junto com Fernando Pessoa, ambos se tornaram um marco do Modernismo na Literatura Portuguesa.
No caso específico de Mário de Sá-Carneiro, os versos e as estrofes são regulares, mas o que ele diz e a forma como ele diz sugerem alterações no tradicional. Mário e Pessoa participam da modificação que se operou na poesia do Modernismo português.
Tomando agora o conjunto de poemas que suscitou este comentário, diria que somente uma mulher livre poderia dar ao seu livro o título Mulher Umedecida, o qual remete o leitor, de imediato, ao grande tema de seus poemas, a partir do título e também da dedicatória – o leitor mergulha no clima que domina praticamente toda a sequência de 55 poemas. A sua ousadia é de tal forma impactante que o tema chega a se tornar leve e a autora, solta, sem amarras. Aparentemente, diria eu. Sua leveza e sua maneira livre de se posicionar diante dos fatos podem me sugerir (será que estou certa?) que esses versos escondem uma mulher (umedecida?)  que se encontra no aguardo de um grande amor distante, talvez impossível.
Os sonhos deste eu-poético que permeiam toda a sequência dos poemas referem-se à relação amorosa, embora eu não tenha feito levantamento algum que pudesse me permitir uma afirmação com o mínimo de segurança.
Diria, ainda, que esse eu-poético, travestido de mulher apaixonada, vê no amado a razão da sua própria existência.

Zina Bellodi

Professora Titular aposentada do Departamento de Literatura da Faculdade de Ciências e Letras - Universidade Estadual Paulista - campus de Araraquara. `

10.02.2021