PREFÁCIO AO LIVRO “SOB A TENDA DO SER” (Scortecci, 2020) de MARA NOBRE

Os temas em que se agrupam os 61 poemas deste livro – “A Paixão”, “O Amor”, “A Dor”, “A Poesia”, “A Cigana” e “A Alma” – preparam o leitor para os vieses que sua leitura percorrerá ao penetrar essa tenda do Ser. Os dois textos em prosa, altamente reflexivos sobre a vida, a dor, a saudade e a criação poética, ao antecederem os poemas servem, já, a essa preparação uma vez que abordam, como num fluxo de consciência, toda a problemática que será derramada pelos poemas.
A problemática – explico-me – diz respeito ao conteúdo desses versos que perpassam situações profundamente humanas, que justamente por essa razão ressoarão no âmago de cada leitor a lembrar que também ali há vivência parecida. A leitura, em si, fluirá com facilidade para todos que certamente se identificarão com uma ou outra (ou várias) das temáticas que Mara Nobre aborda nesta sua terceira publicação.
Mara é cantora e compositora e sua visão introspectiva da existência a conduziu naturalmente à poesia que já a rondava ao longo da vida. A autora tratou de reverter esse quadro passando a aprisionar em versos a poesia que a cercava e, simultaneamente, libertando-a em publicações (Rabiscos de minh’alma (2012) e Feitiço no olhar (2016) – que a trouxeram até aqui – a fim de garantir a própria libertação e, quiçá, a dos leitores que alcançar.
O título escolhido para esta terceira publicação, Sob a tenda do Ser, é extremamente sugestivo. A simbologia da “tenda”, além de fazer referência à habitação da Cigana, figura andarilha que perpassa os versos da poetisa e espécie de alter ego seu, está relacionada ao sagrado, ao local onde o divino é convocado a se manifestar. Assim, como se trata da tenda “do Ser”, sacraliza-se toda a vivência que ali acontece, seja a dor e a desilusão, os anseios ou a experiência da paixão, o amor e seus desdobramentos mais espirituais, assim como a reflexão sobre a poesia e o fazer poético – saída espiritual para a experiência da dor humana e equilíbrio em meio à avassaladora paixão:

Faça-se imagem, chegue até mim,

me cubra de ouro, cigana que sou.

Mostra tua força, peça e te dou:

dou-te o meu corpo, minh’ alma, meu dom,

me faço mulher, me mostro não fria.

Terás minha entrega, meus versos terás.

Serás o que inspira, minha poesia.

Nos volteios da Cigana, nos versos acima, assim como em outros poemas apresentados sob o subtítulo “A Paixão”, o eu-lírico que canta nos versos de Mara Nobre, ao buscar um “Alguém” (“a visão que meus olhos desejam”) vivencia a busca de completude que caracteriza o erotismo:

Se eu soubesse

que o teu toque é diferente

de outros que já tive um dia…                                     

banhar-me-ia na lua

dar-te-ia Plutão,

esperar-te-ia nua…

De acordo com Georges Bataille, o erotismo se caracteriza pelos impulsos em direção à completude, mas se choca continuamente com a incompletude inerente ao Ser. Sua vivência, portanto, é sempre uma tensão angustiante:

Sussurrei teu nome seguidas vezes,

mesmo estando tão distante…

A poesia sentida dava margem a sua vez

e em êxtase uma lágrima eu derramei.

Paralela à vivência erótica e/ou amorosa, ou mesmo como compensação para os momentos de incompletude, “Sob a tenda” o Ser volta-se para a própria Alma em busca de um sentido maior para sua existência no mundo:

Foi quando ouvi o meu Eu

que aprendi a sair do atoleiro

e, a cada vez,

a me sentir mais leve,

eu segui a minha estrada…

O fazer poético, nesse sentido, aparece também como caminho:

A poesia ascende tua voz no Universo

e te faz mergulhar nos sonhos.

– Teus sonhos serão tua cura.

Com algumas rimas e trocadilhos, mas com muitos versos brancos, tão livres quanto o eu-lírico dos poemas aqui reunidos, Mara Nobre percorre esse caminho que certamente irá contagiar, com seu ritmo de Cigana, os leitores que a acompanharão na dança ao redor da tenda, sob ela, sob o céu ou sobre lençóis.
 Espero que este prefácio tenha instigado você à leitura dos versos de Mara Nobre. Você pode encontrá-lo na Livraria Asabeça (asabeca.com.br|) ou, se preferir, através do Instagram da autora: @maranobreesritora

Jussara Neves Rezende
21.01.2021
jussaraneves.com.br