Economia circular e a indústria gráfica / Manoel Manteigas de Oliveira

Uma questão que se apresenta como um grande desafio para a economia mundial é compatibilizar crescimento com sustentabilidade.  Como garantir suprimento de matérias primas para a produção crescente de bens de consumo e como garantir que os resíduos e produtos descartados não contaminem o meio-ambiente?

A simples redução do consumo, como muitos propõem, não resolve o problema. Essa atitude, embora louvável, pode implicar na redução da atividade econômica, pelos menos dentro do modelo dominante. Também não considera que grandes contingentes de pessoas querem usufruir de um pouco mais de riqueza. É o caso, por exemplo, de centenas de milhões de chineses que estão ascendendo em seus padrões de bem-estar. Na Índia há outras centenas de milhões em situação semelhante. Ainda tem as populações da África na fila e, porque não, as latino-americanas, inclusive brasileiras.

Por isso, a tese de redução de consumo dificilmente será o caminho para solucionar a questão ambiental. No entanto, o assunto não pode ser deixado de lado e é urgente. É evidente que o planeta está sendo exaurido em seus recursos não renováveis e que a poluição tem levado a consequências muito graves, como a degradação de ecossistemas e as mudanças climáticas. Acrescente-se a isso o fato de que a exploração exagerada dos recursos naturais e a poluição também tendem a frear o crescimento econômico.

É nesse contexto que o conceito de economia circular foi desenvolvido. Essa abordagem é também representada pela expressão “cradle to cradle” (do “berço ao berço”). A pioneira dessa ideia foi a velejadora inglesa Ellen MacArthur, a partir de 2004. Em 2010 foi criada uma fundação com o seu nome e o tema passou a ser levado seriamente em conta por grandes empresas e estudiosos.

Essencialmente, a produção industrial está baseada no modelo: extração de recursos; produção de bens e, finalmente, descarte ou reciclagem de resíduos e de bens pós-uso. Frequentemente o descarte é feito diretamente nos ecossistemas, sem tratamento, ou em depósitos de lixo. Em situações melhores, resíduos são tratados antes do descarte, para redução ou eliminação de sua toxicidade, e bens inservíveis são reciclados parcialmente (poucos são completamente reciclados).

A economia circular pretende a mudança do próprio modelo de produção. A proposta é que no design dos produtos já esteja planejada a reciclagem total dos materiais utilizados na sua fabricação e/ou a reutilização de suas partes. Daí a expressão do “berço ao berço”, em substituição à fórmula do “berço ao túmulo”. Na economia circular nada morrerá, tudo será reaproveitado, transformado em novos bens. No limite, não haverá mais lixo oriundo da produção, apenas materiais a serem reciclados e reutilizados. O crescimento da economia deverá ser impulsionado no longo prazo porque a limitação dos recursos não renováveis será superada.

Segundo Léa Gejer e Carla Tennenbaum, do site https://ideiacircular.com/

“O lixo é um erro de design”

Parece impossível? Difícil sim, impossível não. Pelo menos muitas empresas importantes acreditam nesse conceito e estão investindo pesado em tecnologias que possam realizá-lo e os resultados já aparecem.

Segundo Michael Braungart e William McDonough, a economia circular se baseia em três princípios:

1. Os materiais não devem ter potencial de prejudicar a saúde dos seres vivos. Além disso, devem ser reutilizáveis e/ou recicláveis. Nesse sentido, distinguem-se os ciclos biológico e técnico. O primeiro é típico dos materiais biodegradáveis, que não contenham substâncias tóxicas e que, de volta à natureza, possam ajudar a regenerá-la. Esse pode ser o caso, por exemplo, de materiais celulósicos e de tintas e vernizes formuladas com essa preocupação. Já o ciclo técnico abrange os materiais que devem ser reciclados e reutilizados repetidamente e, dessa forma, ter seu valor recuperado. Neste caso deve-se levar em conta os possíveis impactos ambientais dos processos de reciclagem.

2. Utilização de fontes de energia renováveis, idealmente de origem solar, mas também eólica e outras.

3. Promoção da biodiversidade. Também aqui os suportes celulósicos mostram vantagens. As áreas de responsabilidade das indústrias de base florestal, incluindo árvores plantadas e florestas nativas preservadas e/ou recuperadas, representam menos de 2% do território nacional. Ainda assim, essa pequena extensão possui índices positivos de biodiversidade. O setor florestal trabalha com o plantio em mosaico, integrando vegetação natural e plantios comerciais, permitindo a formação de corredores ecológicos. Das espécies brasileiras ameaçadas de extinção, 38% dos mamíferos e 41% das aves são encontradas nessas áreas.

Na indústria gráfica não é tão difícil migramos para esse novo modelo. Os substratos celulósicos são oriundos de fonte renovável – árvores plantadas. Os produtos impressos em papel, após seu uso, já são largamente reciclados (67% no Brasil, 72,5% na Europa). Fabricantes já se preocupam em produzir tintas e vernizes com componentes renováveis e que possam passar pelo processo de reciclagem. À medida em que clientes e consumidores finais compreenderem o significado de economia circular espera-se que passem a preferir produtos projetados segundo esse conceito. A campanha Two Sides apoia e encoraja iniciativas que ajudem a fechar esse ciclo virtuoso.

Para saber mais:

https://ideiacircular.com/

www.ellenmacarthurfoundation.org

www.twosides.org.br

Livro: “Cradle to Cradle - criar e reciclar ilimitadamente”. Michael Braungart e
William McDonough. Editora Gustavo Gili Brasil, 2013.

Manoel Manteigas de Oliveira - Diretor técnico de Two Sides Brasil e da Associação Brasileira de Tecnologia Gráfica - Diretor da Associação Brasileira de Encadernação e Restauro - Aber