Há 20 anos do único Nobel de Literatura da língua portuguesa

GGN - Erika Morhy - 17/12/2018 | 

“Não é a pornografia que é obscena, a fome é que é obscena”. A frase estampa o grande mural de entrada da exposição “Saramago – os pontos e a vista”, uma das iniciativas que integram o calendário oficial de celebração dos 20 anos da entrega do Prêmio Nobel de Literatura ao escritor português José Saramago. As programações são promovidas em diversos países pela fundação presidida por Pilar del Río, tradutora espanhola e jornalista, ofício que o companheiro, falecido em 2010, também exerceu durante densos anos.

A provocadora constatação foi proferida pelo filho de Ribatejo em terras brasileiras, então sob a presidência de Fernando Henrique Cardoso. Anos depois, medidas de proteção social adotadas a partir do Governo Lula levam o país a sair do mapa da fome, conforme indica o relatório global “Estado da Insegurança Alimentar 2015”, da Organização das Nações Unidas (ONU). O documento informa que o gigante latino-americano diminuiu pela metade o número de pessoas em situação de fome e reduziu esse número para menos de 5% da população. O aumento da renda, do emprego e dos salários das pessoas mais pobres, por meio de programas como o Fome Zero e Bolsa Família, teriam sido “cruciais para alcançar um crescimento inclusivo no país”.

Mas a aguda produção literária de quem assinala a obra Levantado do Chão como marco na sua decisão por ser escritor atesta que a sofisticação do autor não admite opressões ainda persistentes no truculento 2018.

Depois de temporada em São Paulo, a mostra foi aberta em Belém do Pará, no simbólico dia 14 dezembro, em que estão sintetizados nove meses do assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Ela ousou enfrentar a guerra letal contra as mulheres impetrada por um Estado patriarcal, e racista. O crime é de estremecer almas inquietas, dadas à defesa da justiça social.

Profissional de singular prestígio no mercado de artes no Brasil e conhecido por sua abordagem inovadora em curadoria e museologia, Marcello Dantas participou da cerimônia realizada no bicentenário prédio do Museu do Estado do Pará (MEP). É onde permanecerá a exposição, até dia 17 de fevereiro de 2019, e é onde também reluz um dos marcos da revolta popular da Cabanagem, uma sorte de Revolução dos Cravos ou Revolução de 25 de Abril, como Saramago se refere ao levante contra a ditadura salazarista. Em voz mansa, o curador explica que a beleza de abordar a altivez do escritor está em apresenta-la aos visitantes de modo infiltrado.

Em cada um dos 15 módulos, vê-se objetos cênicos e a projeção de vídeos com momentos de uma vida finalmente fincada nas Ilhas Canárias e resguardados no acervo de Miguel Gonçalves Mendes, diretor do nostálgico filme “José e Pilar”. É o próprio homenageado que salta à tela a narrar sobre a fraude em seu registro de nascimento, o encanto pela árida Lanzarote, o desemprego seminal do Diário de Notícias em 1975, a crítica produção de A Viagem do Elefante, dentre outras fruições literárias e questionamentos sobre as relações de poder e religião.

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