Folha de S. Paulo - Diogo Bercito - 30/04/2017 |
Prêmio internacional procura estimular a literatura árabe, num mercado em que tiragens de mais de 5.000 cópias ainda são consideradas milagres. Organização remunera os finalistas e garante a tradução da obra vencedora para o inglês, no intuito de superar a barreira das editoras acadêmicas ou de nicho.
O cânone da literatura árabe ganhou um volume na terça-feira (25) com a premiação do saudita Mohammed Hasan Alwan. Seu livro "Uma Pequena Morte", biografia romanceada de um pensador medieval, recebeu o principal troféu para ficção escrita nessa língua. O evento era esperado por editoras dispostas a pinçar novos títulos em um mercado ainda magro.
O júri do Prêmio Internacional de Ficção Árabe escolheu entre seis finalistas e sua decisão não serve apenas de aval. O atrativo da distinção é a garantia de tradução da obra vencedora ao inglês, idioma do qual saltará a outras praças, incluindo a brasileira.
Além disso, o prêmio conta com a chancela oficial do Booker Prize, tradicional troféu literário anglófono e um dos mais importantes do mundo, atrás do Nobel.
"Azazel", laureado em 2009, foi traduzido ao português por Safa Jubran, professora da USP, e publicado em 2015 pela Record. O incentivo à tradução tem como objetivo romper o que o pensador palestino Edward Said (1935-2003) descreveu como literatura embargada, publicada somente pelas editoras acadêmicas e de nicho.
Um dos curadores do prêmio, Zaki Nusseibeh, conta que ele foi instituído em 2007 em resposta ao que chama de números assustadores. Um relatório da Organização das Nações Unidas estimara que a produção árabe não excedia 1,1% do total mundial, apesar de os árabes serem 5% da população.
Uma década e meia depois daquele levantamento, tiragens de mais de 5.000 cópias ainda são celebradas como milagres nesse mercado, em que títulos religiosos correspondem a não menos que 17% dos lançamentos.
"Um autor tem sorte se vender [algumas] centenas de livros", afirma Nusseibeh, também assessor do governo dos Emirados Árabes para políticas culturais.
Nesse cenário, valer-se da escrita como fonte exclusiva de renda é temerário. Basta considerar o caso de Alaa al-Aswany, autor de "Edifício Yacoubian", best-seller que em 2006 foi transformado no filme mais caro da história do cinema do Egito. Até hoje ele trabalha como dentista.
Ao longo desses dez anos, o prêmio de ficção árabe, que é financiado pela Autoridade de Turismo e Cultura de Abu Dhabi, produziu alguns dos resultados esperados.
A cada edição, os volumes finalistas são dissecados em clubes de leitura de Beirute (Líbano) e Amã (Jordânia). Ao serem incluídos na derradeira fase da disputa, esses títulos vendem em média mil novos exemplares.
"Nossa seleção é recebida como uma lista de livros que valem a pena. Bibliotecas fazem estoque", afirma Nusseibeh. "Antes, só sabíamos o que era publicado no Cairo, um dos centros editoriais de língua árabe. Hoje, também conhecemos a produção de outros países. Existe uma consciência pan-árabe."
Neste ano, a relação de finalistas incluía autores da Líbia, do Iraque, da Arábia Saudita, do Kuait e do Egito.
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