ENTRE A ESCRITA EM PAPEL E O UNIVERSO DIGITAL: A CONTEXTURA DA NECESSIDADE HUMANA

Em momento ápice de desenvolvimento voltado à incorporação de tecnologia digital ao dia a dia, pode parecer surpresa a decisão da Suécia, um dos países de melhor desempenho educacional e tecnológico do mundo, de suspender o uso de aparelhos e plataformas digitais nas escolas. "De volta aos livros impressos em papel", determinaram os comitês educacionais.

Neste sentido, a neurocientista norueguesa doutora Audrey Van der Meer alerta sobre a urgência de pesquisas que atestem os efeitos da exposição do cérebro humano  a tecnologias digitais, no que se refere a aprendizagem, concentração e criatividade, uma vez que a observação de resultados nos últimos anos apontou para um declínio cognitivo e motor em decorrência da adoção de material digital. 

Uppsala and London em 2022 comprovaram que o uso de telas por crianças  já  acarreta redução do desenvolvimento comunicativo e das habilidades motoras finas. Redução do uso das mãos e dos dedos em atividades é um dos fatores mais destacados por estudiosos. E à medida que a idade avança, notam-se as perdas progressivas de visão, de coordenação motora, de linguagem e de aprendizagem. 

Segundo a professora Sandra Scapin, Pedagoga e Especialista em Docência do Ensino Superior pela PUC-SP, pesquisas mostram que a leitura e  escrita em material impresso são essenciais para o desenvolvimento da capacidade de compreensão, fixação e análise crítica em prol da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo. Segundo a professora,  “a aprendizagem em papel é mais eficaz que a digital, principalmente na compreensão profunda de conceitos e na retenção de conhecimentos”. 

Os fatos vêm mostrando que a leitura e a aprendizagem via digital não superam um nível apenas superficial de conhecimento.

Embora alguns defensores insistam em alegar que o livro digital é de fácil manuseio, prático e até mais barato, a superioridade do papel aparece muito mais evidente na decodificação de conteúdos mais complexos. 

Abrir um livro físico, manuseá-lo, virar páginas, sublinhar partes, fazer anotações, são atividades que estimulam áreas diversas do cérebro ligadas aos sentidos ( tato, olfato, visão); movimentos motores de mãos, braços, cabeça; estimulando mais sinapses, e conexões neuro-motoras-sensoriais-cognitivas. 

O livro é uma das maiores revoluções intelectuais do homem desde a descoberta da Epopeia de Gilgamesh e escrito em sumério-akkadiano na Mesopotâmia. Em 1440, Gutemberg criou a imprensa,  impactando a vida das pessoas socialmente através do conhecimento (Burke). O livro tornar-se-ia um dos pilares no Renascimento Cultural,  assim como a Imprensa Régia em 1808 o nosso Nascimento. Construímos  a nossa própria história da humanidade e da literatura graças aos registros impressos. Por outro lado, quantos arquivos já foram perdidos desde o fim do século XX por mudanças rápidas nos meios digitais de armazenamento? Disquetes, CDs, DVD e outras mídias que em pouquíssimos anos se tornam obsoletas, sem qualquer importância dada ao conteúdo ali guardado.  

"Como é belo um livro, que foi pensado para ser tomado nas mãos, até na cama, até num barco, até onde não existam tomadas elétricas, até onde e quando qualquer bateria se descarregou. Suporta marcadores e cantos dobrados, e pode ser derrubado no chão ou abandonado sobre peito ou joelhos quando caímos no sono”, dito pelo polímata e apologista de livros, defende Umberto Eco. 

Nesse primeiro quartel do século XXI, a cruzada é contra o monopólio na venda de livros digitais. Durante a FLIP em 2024, a preocupação tomou conta dos escritores e editoras.  O escritor catalão Jorge Carrión apresenta a ameaça de toda a cadeia do livro diante de monopólios de desconto abaixo das livrarias,  comprometendo escritores, editoras e livreiros. Como se não bastasse,  a IA (Inteligência Artificial) coloca em risco a ética na escrita,  livros publicados sem um autor intelectual. a IN (Inteligência Natural) é o que define o existencialismo sartreano. Umberto Eco e Jean- Claude Carrière disseram, não contem com o fim do livro, mas ao mesmo tempo, lembro-me de um livro escrito por Tzvetan Todorov "A literatura está em perigo?" A pergunta é pertinente, mesmo que seja uma pergunta retórica, mas é preocupante. Os livros já foram queimados (Ovenden), censurados e muitos continuarão na mira dos censores ( Darnton). Essa guerra é histórica e atemporal.

Vivenciamos apenas mais um capítulo dela. 

Carmem Teresa do Nascimento Elias
Djalma Augusto dos Santos Neto

 

Carmem Teresa Elias, docente, pesquisadora e palestrante, pós-graduada em Letras. Escritora, artista plástica, autora de 12 livros e inúmeros artigos acadêmicos. Diretora cultural da União Brasileira de Escritores RJ. 

Djalma Augusto dos Santos Mello (Guto Mello), escritor,  historiador,  membro do Pen Clube,  UBE-RJ e Academia Fluminense de Letras.