Livro “O JULGAMENTO DAS MÃES: maternidade e terror” / Carmem Teresa Elias

" Há sentimentos que filhos jamais alcançam.” ( página 142).

Se estiver sem tempo, nem comece a ler porque você não vai conseguir parar e, para continuar a leitura, tem que tomar fôlego.  Você já ouviu falar que em algum lugar do mundo,  meninas tem suas genitálias cortadas e costuradas? 

E que em outro lugar do mundo, mesmo sem esse procedimento, muitas são condenadas a não sentir prazer? A escritora tem conhecimento profundo de vários mundos femininos e ao contrário desses procedimentos físicos ou psicológicos, ao escrever, ela tenta uma dose de anestesia. Mas,  acredite, ainda assim,  dói.   Não é a falta de anestesia ou assepsia que marcam essas meninas preparadas para serem mulheres, é a violação sem cura.

Neste livro, somente Hortência e sua filha Mea se divertem, por um período, em férias num cruzeiro. De resto, pode preparar uma caixa de lenço para chorar. Final bem criativo, surpreendente e com direito a lavar a alma.  Ah! Escritora! Muito obrigada por isso!  

Também não é assim, penso que eu sou uma chorona. Mas advirto que, mãe vai se derreter e qualquer outro leitor, não vai se atrever a fazer julgamento. É uma história profunda, revoltante e necessária para reflexão sobre a condição feminina num mundo comandado pelos homens. Conclusão,  tudo o que nós mulheres queremos é dignidade.

Por meio de uma ficção, envolvendo duas mães e duas filhas, a autora permite ao leitor, adentrar a intransponível alma feminina em dois mundos distintos, de maneira que sem sair do lugar, percebemos o que sempre soubemos existir, quer seja distante, perto, mais perto ainda, ou dentro de nós mesmas e não nos demos conta da triste condição feminina. Não tem descrições físicas detalhadas e tampouco dos lugares que servem de palco para tanta violência, porque segundo a autora, “essa história pode ter qualquer rosto em qualquer sociedade” (página 156). É complicado ler ficção sabendo que é tudo verdade.

A narradora, fofa demais, lembra a morte que narra o livro “A menina que roubava livros” de Markus Zusak. Ela está em todas, mas não pode interferir em nada, apenas acompanha lamentando ou vibrando com as personagens. A danada encontra um intervalo na narrativa e se rebela dizendo: “em nome das narradoras, reivindico um papel mais importante nos romances” (página 156), e ganhou. É simpática, conversa com o leitor, explica o porquê disso e daquilo e pareceu-me ter alto conhecimento obstétrico, político, filosófico, psicológico e poético. Aprendi muitas coisas e me encantei com a escrita da autora  e toda a arte intercalando os capítulos. Aquele quadro da página136, intitulado "liberdade" da Márcia Loretti, para mim, representou o livro todo. A escritora pinta também! Dentre algumas observações, adorei a definição de ser água (página 48) e as comparações da maternidade com a árvore paineira (76).

Comecei curiosa e terminei impressionada!

Homens, leiam também!

Clarice Soares Barreto
Laranjal Paulista, 13 de Abril de 2024.


SERVIÇO

O JULGAMENTO DAS MÃES: MATERNIDADE E TERROR
Carmem Teresa Elias
ISBN 978-85-366-6545-0
Scortecci Editora - Romance
Formato 14 x 21 cm - 1ª edição - 2023 - 240 páginas
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