Nélida Piñon doa acervo pessoal ao Instituto Cervantes do Rio de Janeiro e ganha biblioteca em seu nome

Durante mais de seis décadas de carreira e 85 anos de vida, Nélida Piñon construiu uma vasta biblioteca, calcada na amplitude das mais diversas áreas de conhecimento, que ajudou a moldar a formação intelectual da Imortal escritora. A partir de 20 de junho, dia da inauguração do espaço, os mais de sete mil documentos de seu arquivo estarão abertos ao público no Instituto Cervantes do Rio de Janeiro, um marco de sua ligação profunda com a Espanha, de onde vem sua família, especificamente da região da Galícia. E um presente para seu país e a cidade onde nasceu, as flores em vida que a premiada autora hispano-brasileira — Piñon recebeu a cidadania espanhola no início deste ano — deixa como legado. 

“A linha do horizonte que marca o limite do meu olhar me permitiu fundir essas duas terras, Espanha e Brasil, como se fossem de uma única família. Eu sou todas as civilizações que vieram para este acampamento brasileiro”, afirma a escritora, a primeira autora de língua não espanhola a receber tal homenagem. “Desde menina, eu guardava tudo. Eu fui entendendo que precisava deixar rastros. E eles são fundamentais para a sua existência, sua arte, do coletivo que você é. Isso pautou minha vida, a consciência da responsabilidade das coisas. Não fui levada pela vaidade, mas por um sentimento de brasilidade. Sempre digo um mote: se o Machado de Assis existiu, o Brasil é possível”. 

Além de objetos de arte selecionados pela própria autora, destacam-se na Biblioteca Nélida Piñon obras sobre balé, história da Idade Média, Machado de Assis, literatura clássica, religião, clássicos franceses e ingleses, ópera e biografias, assim como a biblioteca particular herdada da lexicógrafa Elza Tavares.

 Outro tesouro é a coleção Galícia de Piñon, que reúne obras sobre a cultura e literatura da região espanhola, incluindo publicações sobre as localidades de seus ancestrais galegos. “A Galícia é o meu mito. Uma espécie de terra prometida. Ali, na região de Cotobade, vi como é difícil brotar a espiga de milho, exigindo do agricultor o mesmo cuidado que o escritor dá ao seu ofício, quando cunha cada palavra. Como consequência, carrego na alma o estigma da sobrevivência, herdado de gente do mar e da montanha”, resume.

Segundo Antonio Maura, diretor do Instituto Cervantes do Rio de Janeiro, o conjunto bibliográfico galego trata-se de uma joia entre o material de Piñon. 

“Esta coleção veio a enriquecer o acervo especializado em Língua, Literatura e Cultura Galega, tornando-o o mais completo do Brasil”, diz Maura, que destaca a riqueza do arquivo: “Vale ressaltar que a maioria das obras do acervo doado contém dedicatórias de escritores nacionais, como Clarice Lispector, Rachel de Queiroz, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e Lygia Fagundes Telles, e internacionais (José Saramago, Toni Morrison, Mario Vargas Llosa, Carlos Fuentes, Concha Méndez, Gabriel García Márquez, entre outros), além de comentários e anotações à margem de várias obras pela própria acadêmica. Estes documentos constituem material imprescindível para os pesquisadores que se dedicam às investigações piñoneanas, assim como à literatura hispano-americana do século XX.

Devido a essas e outras particularidades do acervo, foi desenvolvido um projeto para o tratamento documental e catalográfico com o suporte da Rede de Bibliotecas e Centros de Informação em Arte do Estado do Rio de Janeiro -- REDARTE/RJ, que levará cerca de dois anos para ser implementado. Para tanto foi constituída uma equipe de bibliotecários especialistas no tratamento de acervos pessoais, com o propósito de disponibilizar esse conjunto documental e informacional no catálogo coletivo da Rede de Bibliotecas do Instituto Cervantes, acessível a nível mundial. 

O acesso à biblioteca e ao serviço de informação, documentação e referência é livre e gratuito. Para acessar os serviços de empréstimo é necessário ser titular da carteira da biblioteca. O acervo geral de livre acesso está em língua espanhola.

 Nélida Piñon nasceu no Rio de Janeiro em 1937. Graduada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sua estreia na literatura foi com o romance “Guia-mapa de Gabriel Arcanjo”, lançado em 1961. Traduzida em mais de 30 idiomas, sua obra contempla gêneros como conto, romance, crônica, memória e ensaio. 

Em 1989, Piñon foi eleita para a cadeira número 30 da Academia Brasileira de Letras (ABL), posto ocupado anteriormente por Aurélio Buarque de Holanda. Sete anos mais tarde, tornou-se a primeira mulher a presidir a instituição em um século de história. 

Além de galardões como o Jabuti e o Casa de las Américas, recebeu o Premio de Literatura Latinoamericana y del Caribe Juan Rulfo, o Prêmio Ibero-Americano de Narrativa Jorge Isaacs, o XVII Prêmio Internacional Menéndez Pelayo e o Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras. É doutora Honoris Causa por universidades da França, Espanha, EUA, Canadá, México e Brasil. 

Em janeiro de 2022, em ato no Consulado da Espanha no Rio de Janeiro, Piñon recebeu formalmente a nacionalidade espanhola, concedida pelo Conselho de Ministros da Espanha em novembro de 2021. 

O Instituto Cervantes foi fundado em 1990 e, hoje, possui 80 centros por todo o mundo, com 10% deles no Brasil. A Rede de Bibliotecas do Instituto Cervantes -- RBIC -- é a maior rede de bibliotecas espanholas do mundo, presente em mais de 30 países, com um acervo total de mais de 1,5 milhão de documentos. Suas coleções bibliográficas reúnem obras sobre as culturas e letras da Espanha e Hispano-América, tendo como função primordial oferecer uma perspectiva completa, representativa e equilibrada das realidades culturais espanhola e hispano-americana: língua, literaturas, história, filosofia, ciência, música, cinema e teatro, entre outras, através de seus documentos.

Concebida como um centro de informação e documentação especializada nas línguas, culturas e literaturas da Espanha e Hispano-América, a biblioteca do Instituto Cervantes do Rio de Janeiro é um dos centros da RBIC no Brasil, tendo iniciado suas atividades em agosto de 2004. 

Desde sua abertura, a biblioteca atende à demanda de usuários tanto da cidade quanto de outras partes do mundo. Uma das preciosidades de seu acervo é a Coleção Local, cujas seções reúnem obras únicas, singulares e raras, representativas e significativas para o estudo e a compreensão das relações culturais, históricas, artísticas e literárias entre o Brasil e o mundo hispânico. Esta coleção começa a formar-se logo de sua criação em 2004, com a doação de Eduardo Albertal, antigo funcionário da Nações Unidas (ONU) no Rio de Janeiro, de obras hispano-americanas publicadas por editoras sul-americanas na década de 1950. 

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