Sobre o futuro da leitura - "Declaração de Stavanger"

Vivemos numa era caracterizada por uma digitalização de documentos escritos cada vez mais rápida e cada vez mais presente. As tecnologias digitais oferecem numerosas oportunidades para a produção, o acesso, o armazenamento e a transmissão de informação, ao mesmo tempo que desafiam um conjunto de práticas de leitura que há muito estão consolidadas. Nos últimos quatro anos, um grupo de cerca de 200 académicos e investigadores de toda a Europa que estudam a leitura, a edição de texto e a literacia tem vindo a investigar o impacto da digitalização nas práticas de leitura.
Papel e ecrãs digitais requerem as suas próprias formas de processamento. Atualmente será necessário encontrar, no ambiente híbrido de leitura em ambos os suportes, as melhores formas de utilizar as vantagens do papel e das tecnologias digitais considerando diferentes grupos etários e finalidades de leitura.
A investigação indica que o papel continua a ser o suporte preferido para a leitura de textos mais extensos, especialmente se exigem uma compreensão mais profunda e se a tarefa de leitura requer maior retenção da informação, e também indica que é o suporte que melhor se adequa a uma leitura de textos longos de caráter informativo. A leitura deste tipo de textos possui um valor inestimável quando se visam algumas capacidades cognitivas tais como a capacidade de concentração, o desenvolvimento de vocabulário ou capacidades de memória.
Assim, é importante que preservemos e promovamos a leitura de textos longos e autónomos como uma das modalidades de leitura possível. Além disso, como a utilização de ecrãs continua em crescimento, um dos desafios mais prementes será o de descobrir formas ou estratégias que facilitem a leitura aprofundada de textos de formato longo em suporte digital.

Conclusões mais relevantes:

• As diferenças individuais nas competências, aptidões e predisposições resultam em diferentes perfis de aprendizagem que, por si, determinam a capacidade das crianças usarem e aprenderem a partir de fontes digitais ou de fontes impressas.

• O suporte digital oferece excelentes oportunidades para adaptar a apresentação dos textos às preferências e necessidades individuais. Quando o ambiente de leitura digital é cuidadosamente controlado em função de um leitor específico, existem claros benefícios para a compreensão e para a motivação.

• Os ambientes digitais também colocam desafios. Os leitores tendem a ser mais autoconfiantes nas suas capacidades de compreensão quando a leitura é efetuada em suporte digital, especialmente se essa leitura for feita com limitações de tempo, levando à adoção de estratégias de leitura mais superficiais e a menor concentração no assunto do texto.

• Uma meta-análise que incluiu 54 estudos e mais de 170.000 participantes demonstra que a compreensão de textos informativos longos é melhor quando se lê em papel do que quando se lê em ecrã, principalmente se o leitor estiver sob pressão do tempo. Contudo, nos textos narrativos não foram encontradas diferenças em função do suporte.

• Ao contrário das expectativas existentes em relação ao comportamento dos "nativos digitais", o efeito da inferioridade do ecrã em relação ao papel aumentou em vez de diminuir ao longo do tempo, independentemente da idade ou da experiência anterior em ambientes digitais.

• A nossa cognição incorporada (o facto de as nossas características físicas influenciarem o que aprendemos, como aprendemos, o que sabemos e o que podemos fazer) pode contribuir para as diferenças entre a leitura em suporte de papel e a leitura em ecrã, quer na compreensão, quer na retenção da informação. Este fator é subvalorizado por leitores, educadores e até por investigadores.

À luz destas conclusões, compatíveis com informações obtidas em países de outros continentes, formularam-se as seguintes recomendações.

Recomendações:

• É necessário fazer investigação empírica de forma sistemática e rigorosa acerca das condições favoráveis ou desfavoráveis à aprendizagem da leitura e à compreensão de textos, considerando textos impressos e textos digitais.

• Aos alunos devem ser ensinadas estratégias para o domínio de uma leitura aprofundada e de nível elevado em dispositivos digitais. É igualmente importante que as escolas e as bibliotecas continuem a motivar os alunos a ler livros impressos e que reservem, no currículo escolar, tempo específico para esse efeito.

• Professores e outros educadores devem estar cientes de que não é indiferente a substituição indiscriminada, no ensino básico, de materiais impressos, de papel e lápis por tecnologias digitais. Esta substituição, a menos que seja acompanhada por um cuidadoso desenvolvimento de ferramentas digitais e estratégias de aprendizagem, pode resultar em prejuízo do desenvolvimento da compreensão da leitura e das competências emergentes do pensamento crítico das crianças.

• São necessárias ações adequadas para desenvolver diretrizes para a implementação de tecnologias digitais, em especial na educação, sem esquecer os meios de comunicação em geral. No respeitante à educação, isso implica, por exemplo, o desenvolvimento de métodos de ensino, validados empiricamente, para o desenvolvimento de competências de literacia digital (seleção, localização, avaliação e integração da informação encontrada em suportes digitais). Tais competências serão aplicáveis em diversos contextos como, por exemplo, no relacionamento com a comunicação institucional ou outra informação pública.

• Educadores, especialistas em leitura, psicólogos e tecnólogos devem trabalhar juntos para o desenvolvimento de ferramentas digitais (e software relacionado), que incorporem conhecimentos fornecidos pela investigação sobre o processamento da informação em suportes impressos e digitais.

• Investigações futuras sobre materiais para aprendizagem em meio digital devem envolver uma maior cooperação entre quem desenvolve os processos tecnológicos e os investigadores nas ciências sociais e humanas, de modo a facilitar os debates públicos, imparciais e baseados em factos, sobre a transformação digital.

Questões para futura investigação:

À medida que aumenta a utilização de materiais digitais para uso educacional e pessoal, surgem questões importantes sobre o futuro da leitura, a pedagogia da literacia e a importância da comunicação textual:

• Em que contextos de leitura e para que leitores pode o uso de textos digitais ser mais vantajoso?

• Inversamente, em que domínio de aprendizagem e da escrita literária deve ser incentivado e defendido o suporte em papel?

• Estará a tendência da leitura em ecrã para ser mais fragmentada, menos focada e com um processamento mais superficial, a ser transferida para a leitura em papel e, assim, transformando este padrão naquele que é mais frequentemente adotado independentemente do suporte?

• Estará a nossa suscetibilidade para as notícias falsas e ideias preconcebidas a ser ampliada pelo excesso de confiança nas nossas competências para a leitura digital?

• O que pode ser feito para incentivar um tratamento mais aprofundado dos textos em geral e, em particular, daqueles que são lidos em ecrã?

Quem somos?

O projeto “Evolução da Leitura na Era da Digitalização (E-READ) (Evolution of Reading in the Age of Digitisation) é uma iniciativa de investigação europeia que reuniu cerca de 200 académicos e cientistas no domínio da leitura, edição de texto e literacia de toda a Europa, num esforço conjunto para pesquisar o impacto da digitalização nas práticas de leitura. Grande parte da nossa pesquisa concentrou-se na forma como os leitores, principalmente crianças e jovens, compreendem e recordam textos escritos quando utilizam materiais impressos ou digitais. Os membros desta Ação COST de investigação, financiada pela União Europeia e outras partes interessadas, reuniram-se a 3 e 4 de outubro de 2018 em Stavanger (Noruega) para debater as principais conclusões de quatro anos de investigação empírica e de discussões sobre o assunto (2014-2018). A Declaração de Stavanger sobre o Futuro da Leitura representa um resumo desses estudos e colaborações.