O livro de poemas Mulher Umedecida (Scortecci, 2020), de Maria Mortatti, insere-se numa tradição literária representativa dos primórdios da luta feminista que se vem fortalecendo sensivelmente, pelo menos desde o início do século passado.
Refiro-me à tradição amorosa da escrita de (suposta) autoria feminina, que na cultura cristã remonta ao tempo medieval em que se fazia a impostação da voz feminina nas “cantigas de amigo” da lírica galego-portuguesa, e que em português moderno transita da epistolografia extática de Sóror Mariana Alcoforado aos sonetos sensuais de Florbela Espanca. É a mulher libertando-se de imposta clausura, despindo o seu burel de freira para dar voz ao corpo, que grita o seu cio.
Por essas veredas também andou Maria Mortatti, que anteriormente já havia lançado o ‘Breviário amoroso de Sóror Beatriz’ (2019) e agora escancara o desejo da mulher umedecida neste novo livro, no qual se leem sonoros “poemas-partitura” que revelam uma especial devoção da poeta à música, com destaque para a presença inspiradora de Gustav Mahler.
A exploração lúdica da sonoridade mostra-se logo, aliás, no jogo anagramático dos títulos escolhidos para compor o que será uma trilogia literária: ao volume ‘Mulher umedecida’ devem seguir-se o dos contos de ‘Mulher emudecida’ e o da novela ‘Mulher enlouquecida’. Mulheres que, juntamente com Sóror Beatriz, vão compondo o universo ficcional feminino de Maria Mortatti.
São todas bem-vindas!
Renata Soares Junqueira
Professora Titular do Departamento de Linguística, Literatura e Letras Clássicas, FCL, Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Araraquara.
Mais informações:
Mulher Umedecida
Professora Titular do Departamento de Linguística, Literatura e Letras Clássicas, FCL, Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Araraquara.
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