Posicionamento Abrelivros em relação à PEC 188/2019

A Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional – Abrelivros submete suas considerações em relação à PEC 188/2019. Entendemos que se trata de proposta meritória, que visa aumentar a responsabilidade social e controles sobre os gestores locais. Todavia, manifestamos preocupação quanto aos efeitos que provocará no funcionamento de determinadas políticas públicas educacionais.

Referida PEC propõe um novo modelo fiscal para o país, sendo um de seus eixos a descentralização de recursos para Estados e Municípios, visando dar maior autonomia a esses entes para que possam atender aos anseios de suas populações. Nesse sentido, a PEC, na alteração proposta ao artigo 212, §6º da Constituição Federal, repassa integralmente o Salário Educação para os Estados e os Municípios, extinguindo a participação da União.

A atual cota da União, representando 40% do Salário-Educação, é utilizada para o financiamento de diversos programas educacionais, como transporte escolar, alimentação na escola e aquisição de materiais didáticos, sendo esse último o ponto que focaremos nossas considerações.
A compra de livros didáticos é concretizada hoje por meio do Programa Nacional do Livro Didático, política pública octogenária, que leva os livros que serão utilizados nas salas-de-aula em todas as escolas públicas brasileiras que aderem ao programa. No ano de 2018, foram quase 148 mil escolas e 35 milhões de alunos beneficiados com a distribuição de 126 milhões de livros.
Colocar o Programa todo ano funcionando, de forma a garantir que cada aluno e professor receba tempestivamente o seu livro antes do início das aulas, exige um enorme esforço de autores e de editoras, do parque gráfico, da indústria do papel e dos Correios. A necessidade de orquestrar todos esses agentes não é baixa, não devendo ser subestimado o trabalho efetuado pelas competentes equipes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE.
Atualmente, mais de 85% do orçamento do PNLD advém do Salário Educação, razão pela qual a Abrelivros vê com preocupação esse aspecto da PEC em apreço, que ameaça a continuidade dessa eficiente e eficaz política pública.

A responsabilidade pela continuidade dos programas de aquisição de materiais didáticos passaria a ser dos Estados e Municípios, conforme redação proposta ao artigo 212, §4º da Constituição Federal.
A justificativa da PEC aponta um objetivo primário de descentralizar recursos, e objetivo secundário de incentivar a melhoria de desempenho dos indicadores sociais do país. Isso porque seria dado maior autonomia para os gestores locais, mais bem posicionados para compreender os anseios de suas respectivas populações.

Todavia, o PNLD apresenta particularidades que não permitem que essas justificativas sejam a ele imputadas. E a razão é simples: o PNLD centraliza o que deve ser centralizado, e descentraliza o que deve ser descentralizado. Vejamos.

Diferente de outros programas educacionais, o PNLD não envolve repasse de recursos, mas engloba toda a execução do programa, até a garantia da efetiva entrega dos livros nas escolas. Uma descentralização de tais compras aumentaria os custos administrativos do país, algo que a PEC busca evitar. Cada entidade da federação precisaria ter sua própria equipe para gerir todo o programa, desde a elaboração de um edital, avaliação pedagógica das obras, negociação, organização logística e controle de qualidade do material produzido. Ou seja, haveria uma repetição, entre os estados e municípios, de estruturas administrativas para gerir seus diversos programas locais, aumentando o custo administrativo do estado brasileiro. Assim, mais recursos seriam gastos para manter a máquina pública, do que efetivamente empenhados na prestação de serviços públicos. Ao garantir a centralização dessas funções, o PNLD evita a duplicidade de organizações administrativas, se mostrando uma solução eficiente para atendimento do cidadão.

A centralização também traz uma importante eficiência orçamentária. A indústria do livro envolve grandes economias de escala. E o PNLD se aproveita disso, tornando as compras públicas federais extremamente eficientes. Conforme dados públicos, o preço unitário pago por materiais didáticos pelo Estado é de aproximadamente ¼ do preço de produtos similares no mercado privado.[1] Em 2019, por exemplo, pagou-se, em média, apenas R$8,66 por livro. Essa economia somente é possível devido à compra dos volumes gigantescos que o PNLD envolve. Qualquer fragmentação implicará custos de produção maiores, que serão refletidos em preços também maiores. Consequentemente, a soma dos investimentos de cada estado e município na compra de material seria muito superior ao atual orçamento do Programa.

Considerando as sérias restrições orçamentárias que o país vive, vislumbramos um cenário de impossibilidade de manutenção de um programa de qualidade de materiais didáticos. As consequências educacionais seriam gigantescas, especialmente para aqueles locais mais vulneráveis, aumentando as desigualdades do país. Se “a condição atual de fragilidade fiscal em todos os níveis de governo na federação e visando trazer os incentivos corretos para uma boa gestão pública” é um dos pilares da PEC, suas consequências, ao impedir a continuidade de um programa como o PNLD vai em sentido contrário.

A gestão centralizada do programa no MEC/FNDE garante, ainda, a continuidade de outro elemento essencial para o sucesso do programa: que é o processo de avaliação pelo qual as obras didáticas são submetidas. Referido exame, que conta com profissionais de diferentes redes de ensino, é responsável por garantir que apenas obras de excelência e em perfeita conformidade com as normas educacionais brasileiras estejam disponíveis para uso das escolas. Mais uma vez, ao centralizar esse processo, permite-se uma otimização dos trabalhos, sem necessidade de duplicação de estruturas, além de permitir maior coesão para a implementação de certas políticas educacionais, em nível nacional, garantindo-se que todas as escolas e todos os alunos recebam materiais de excelência. Essa centralização da avaliação pedagógica de forma alguma fere a individualidade local, uma vez que apenas se avalia se a obra atende os requisitos legais básicos, definidos pelo próprio Congresso Nacional. Nesse ponto, passamos a enfrentar a o perfil descentralizado já existente no PNLD.
Apesar de haver a centralização da compra e da avaliação do programa no FNDE, o Programa envolve um importante componente de descentralização: as escolhas quanto aos materiais que serão trabalhados no ano escolar cabe exclusivamente às escolas e secretarias de educação, estaduais e municipais.

Trata-se de um dos pilares do programa, e exemplo de gestão democrática. Inscritos os livros didáticos, e aprovados no processo de avaliação, cabe às escolas escolherem o material que mais condiz com a sua realidade local. Ou seja, o PNLD já envolve um importante pilar descentralizado, e justamente o mais relevante do ponto de vista educacional, que é aquele que garante a aderência pedagógica das obras à realidade escolar.

Por todo o exposto, entendemos que a realidade do PNLD é bem distinta daquela inicialmente apresentada na PEC. Trata-se de um programa que possui uma operação sofisticada e complexa, mas extremamente bem desenhada: centraliza-se a avaliação no MEC/FNDE, para garantir a observância de padrões mínimos de qualidade; descentraliza-se o processo de escolha, garantindo-se a liberdade pedagógica às próprias escolas; e volta-se a centralizar o processo de compra e distribuição, aproveitando-se de ganhos de escala, e permitindo preços módicos. Em síntese, possui uma arquitetura extremamente eficiente, garantindo-se as eficiências inerentes de um processo centralizado, e as vantagens de conceder autonomia local para as redes optarem pelos materiais que entendam mais apropriados.

Assim, a descentralização de um programa como um PNLD acarretaria maior pressão orçamentária nas já fragilizadas contas municipais e estaduais; sendo certo que os recursos extras eventualmente recebidos pela distribuição da antiga cota da União do Salário Educação não compensariam os investimentos a serem realizados para se manter um programa de qualidade em nível local. A situação é agravada pelo §7º do artigo 212 proposto na PEC, o qual permite que estados e municípios não façam o investimento mínimo em educação previsto no caput do referido artigo (25%), podendo tais recursos serem aplicados onde o gestor achar conveniente, entre saúde e educação. Ou seja, os próprios recursos adicionais recebidos pelos entes federativos poderão ser aplicados em serviços não relacionados à educação, aumentando-se a carência do país nessa área – algo na contramão do momento que se vive no país, de crescente conscientização da importância dos investimentos numa educação pública de qualidade.

Dessa forma, a Abrelivros, em sua missão de preservar e de aprimorar os programas do livro, solicita que haja uma reapreciação desse ponto específico da PEC, especialmente para manter ao menos parte da cota do Salário Educação destinado à União, de forma a permitir a sobrevivência dessa importante política educacional, que é o PNLD.


ABRELIVROS 
Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo Educacional
São Paulo, 10 de dezembro de 2019