Jamais subestime o leitor

Gustavo Conde - 23/12/2019 |

"Com suas 'facilitações gramaticais', com seus 'títulos fáceis', com seus textos 'mastigadinhos', com suas 'caricaturas' de mundo, de política e de sociedade, eles conseguiram a proeza de criar uma legião de leitores precarizados, que mal conseguem distinguir entre democracia e ditadura", diz o linguista Gustavo Conde, sobre a precarização do texto jornalístico na grande imprensa
Há algum tempo, um amigo colunista da Folha me dizia: "eu não posso aprofundar muito, senão o leitor da Folha não entende".
Era o prenúncio do efeito-rebote que toda a imprensa brasileira experimenta hoje: ela criou subleitores.
Com suas 'facilitações gramaticais', com seus 'títulos fáceis', com seus textos 'mastigadinhos', com suas 'caricaturas' de mundo, de política e de sociedade, eles conseguiram a proeza de criar uma legião de leitores precarizados, que mal conseguem distinguir entre democracia e ditadura.

As consequências são muitas.
A primeira delas é Bolsonaro. Faça-se uma enquete entre os subleitores da Folha e descubra-se em quem eles votaram para presidente. Seria uma lavada.
Outras consequências são o mercado editorial brasileiro completamente sucateado e nivelado por baixo. O que vende é autoajuda, textos motivacionais e fofoca de subcelebridades.
Os "críticos literários" da Folha lamentam periodicamente a cena devastada do mercado editorial brasileiro, colocando a culpa no "povo brasileiro que não lê", claro (a culpa é sempre do povo, inculto e vagabundo).
Mas o grau de indigência da leitura no Brasil tem patrono: é a imprensa.
Eles querem se eximir sempre de qualquer responsabilidade por qualquer coisa. São neutros, imparciais e fazem apenas o serviço de "informar" (risos, por favor).
Ocorre que esse "serviço" que o jornalismo subdesenvolvido brasileiro nos presta com imensa paixão experimenta neste momento a amarga resposta da história e da linguagem.
Os leitores de Folha, Globo e Estadão atingiram um nível tão baixo de competência leitora (aceitando teses esdrúxulas, mentiras óbvias e textos desprovidos de coerência e coesão básicas), que os colunistas agora, a despeito de sua conhecida falta de talento, são obrigados a escrever para essa legião de débeis mentais.
Resultado: nem se o jornalista ajoelhar no milho do arrependimento cognitivo, pedir perdão aos céus e tentar escrever uma análise conjuntural ou econômica digna do nome, ele conseguirá (pois o subleitor cativo desses veículos não irá entender).
É o efeito-rebote. Criou subleitores? Agora aguenta a manutenção da clientela.
Óbvio que há exceções e nem preciso mencioná-las aqui, já que são de domínio público (Janio de Freitas e Mariele Felinto que não me deixem mentir).

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