E logo de cara percebi que estava absolutamente enganado. Sobre a mesa onde Márcia Blanco acabara de fazer sua apresentação, um exemplar do clássico “O Apanhador no Campo de Centeio”, de J.D. Salinger, recentemente relançado após 70 anos de sua primeira edição, me saltou aos olhos. “Capa original”, observei. Com o livro nas mãos, tudo aquilo que imaginava simplesmente mudou radicalmente.
Eu nunca havia segurado ou folheado algo como essa edição de O Apanhador do Campo de Centeio. Nunca. A sensação amanteigada do papel nas mãos, a textura, o corpo de letra, tudo é diferente do livro que li há 30 anos, quando era ainda um colegial. E o mais incrível: um livro que dobra! Isso mesmo, ele pode ser dobrado, como se tivesse uma espiral, ele não se desfaz, as folhas não soltam, a costura não rasga. O livro é confortável de ler, gostoso de manusear, bem diferente (e melhor) do que a versão dos anos setenta ou oitenta.
Márcia Blanco, diretora comercial da Ipsis, explica que toda a tecnologia envolvida na produção de um livro mudou radicalmente nos últimos anos e de forma muito rápida. Ela fala numa mudança de conceito, em que o livro não pode ser fácil de ler apenas no sofá de casa ou no conforto da cama e ficar guardado na estante ou na cabeceira. O livro é um objeto, que deve ser prático, confortável, bonito, fácil de usar e porque não, de transportar. “O conteúdo pode ser o mais diverso possível, mas o papel certo a ser utilizado no miolo ou na capa, as tecnologias de dobra, de costura, tudo isso faz parte do livro. E são as escolhas certas que transformam o livro numa obra complexa, que pode ser tátil, visual, intelectual e afetiva ao mesmo tempo”.
Ao planejar o evento com a ABTG, a jornalista Gracia Martin lembrou que a indústria gráfica e toda a cadeia produtiva do papel, com suas várias vertentes, têm um grande desafio, que é aproveitar e acompanhar de perto as mudanças de comportamento da sociedade e, principalmente, as novidades tecnológicas que surgem em todas as áreas. “O papel não é só um suporte para a impressão. Ele é um elemento de valorização de um produto, um diferencial que pode e deve ser explorado no livro”. Contei a ela sobre minha reação de ceticismo quanto ao nome do evento e da maneira como um simples toque num livro me fez perceber como eu estava enganado. Gracia foi gentil e lembrou que na platéia lotada do auditório da ABTG estavam gráficos, editores, livreiros, designers e autores, profissionais do ramo que também ficaram surpresos com as possibilidades que as novas tecnologias abrem todos os dias. Fernanda Gomes Garcia, diretora executiva da Câmara Brasileira do Livro, também foi surpreendida positivamente por esse novo “mundo de possibilidades”. Ela fez questão de elogiar o evento da ABTG. “É muito boa a iniciativa, pela importância da cadeia produtiva do livro se conhecer melhor, para que cada elo compreenda as necessidades e os desafios do outro”.
Conversando com João Scortecci, diretor Editorial da ABIGRAF, que também é autor, editor e livreiro, percebi que realmente não fui o único a ficar surpreso depois de atravessar os portões da rua Bresser naquela quarta-feira. “É incrível como a tecnologia possibilitou o surgimento de tantas novidades em termos de papel, nacionais e importados, que abrem possibilidades que eram inimagináveis até alguns anos atrás. A indústria gráfica e a cadeia produtiva do livro têm um grande desafio, aproveitar esse momento de transformação de nosso mercado para agregar, através do papel, ainda mais valor ao maravilhoso produto que é o livro” afirmou.
O presidente da ABTG, Carlos Suriani, diz querer ver a entidade como palco da troca de informações em todo o setor de impressão. “Nossa meta é transformar a ABTG numa espécie de Hub de Conhecimento, acolhendo as entidades para que todos conheçam melhor o negócio da impressão. Queremos integrar os meios, pois entendemos que hoje em dia tudo deve ser multiplataforma, cada obra deve ter a sua versão online, offline, digital, analógica e impressa. Queremos romper a barreira do que é físico com o que é virtual, fazer com que os ambientes se conversem e interajam entre si”.
No fim das contas, pode ser que os desafios não sejam apenas do livro, mas sim daquilo que o presidente da ABTG chama de “cadeia da comunicação”. E para superá-los, tecnologia e integração são as palavras chave. Saí da ABTG compreendendo melhor que a tecnologia, quando bem aplicada, pode revolucionar até mesmo os setores mais tradicionais da sociedade de consumo. Na verdade, fiquei com a melhor impressão possível sobre o futuro do livro, do papel e de nosso negócio.