1 – A Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) criou um grupo de trabalho para tentar encontrar uma solução para a crise do mercado editorial, que ficou em destaque com a recuperação judicial da Saraiva e da Cultura. Como surgiu essa ideia? De que forma as gráficas podem ajudar neste processo?
É verdade. Criamos um grupo de trabalho para o gerenciamento da crise, com a expertise de gráficos do segmento editorial mais o time da entidade, com o propósito de minimizar os efeitos e os impactos causados no setor pelo chamado efeito dominó. Nós, gráficos, somos parte importante da cadeira produtiva do livro e vamos “nos ajudar” ajudando com esforço coletivo, ideias e propostas para o setor.
2 – Em geral, quando se fala nas políticas para o mercado editorial, menciona-se editoras, distribuidoras, leitores, livrarias e as gráficas parecem ficar isoladas, apesar de serem um elo da cadeia?
O isolamento “institucional” do setor gráfico junto à cadeira produtiva do livro é uma realidade. Estamos mudando isso. Confesso que um dos primeiros trabalhos do grupo editorial da Abigraf foi colocar o dedo na ferida. Listamos defeitos e fragilidades do setor. De quebra, cobramos do grupo que apontasse virtudes e qualidades dos demais agentes da cadeia do livro: escritores, profissionais do livro, editores, distribuidores e livreiros. Isso justifica nossa vontade e apetite de “nos ajudar” ajudando.
3 - Como a crise tem afetado as gráficas? Quais as necessidades específicas das gráficas para melhor o mercado editorial?
Vejo duas crises. Uma sistêmica e outra pontual. Ambas trouxeram o caos e o desequilíbrio do negócio do livro. A primeira delas chama-se Crise Brasil, que assola o país desde 2013 e levou à recessão e ao desemprego. Em dez anos o negócio do livro encolheu 20%, segundo números da Fipe. A segunda crise, pontual e previsível, veio com os pedidos de recuperação judicial das duas maiores redes de livrarias do país: Saraiva e Cultura.
Além dos efeitos da Crise Brasil, as razões do colapso das duas redes de livrarias foram pontuais: dimensionamento equivocado do potencial de crescimento e expansão do próprio negócio; abertura de superlojas, as chamadas mega, com custos estratosféricos e insanos; má gestão; guerra de preços com descontos abusivos e, mais do que tudo, fragilidade do próprio modelo de negócio, hoje ultrapassado, conhecido como “consignação” no mercado de livros.
Em meados de 2018, vieram então os pedidos da recuperação judicial das duas redes de livrarias. Isso após recusa de um grande número de editoras para acordos extrajudiciais. Mesmo trágico, foi o melhor que poderia ter acontecido para a saúde, sobrevivência e recuperação do mercado de livros. Temia-se que a crise levasse junto redes e livrarias menores. Felizmente isso não aconteceu. Números mostram estabilização e até uma tímida recuperação para o segundo semestre de 2019. O mercado está em processo de “refundação” e nós, gráficos, vamos fazer a nossa parte.
4 – Como a Abrigraf tem articulado o diálogo com os representantes dos outros elos da cadeia e as instituições que os representam? O grupo de trabalho prevê a inclusão ou a troca de informação com representantes de outro setor?
Estamos interagindo com as entidades da cadeia produtiva do livro no trabalho de realinhamento de ideias e novas propostas para o setor e, ainda, na regulação do próprio mercado junto a órgãos governamentais de cultura, cidadania e educação.
No último dia 5 estivemos com Henrique Pires, Secretário Especial de Cultura. Tratamos dos assuntos: lei do preço único, Plano Nacional do Livro e da Leitura, Lei Rouanet, formação de bibliotecas, feiras de livro e vale-cultura. Fomos bem recebidos e o secretário mostrou-se sensível às demandas do setor.
5 – Como o avanço tecnológico como a produção de livros sob demanda, os e-books e o comércio digital afetou o mercado gráfico?
Hoje a tecnologia faz parte de qualquer negócio. A impressão sob demanda é hoje uma realidade e conquistou o seu espaço na indústria gráfica. Vejo, nos vários processos de impressão gráfica, harmonia e oportunidades. No mundo da leitura, os e-books já viveram dias melhores. No Brasil representam pouco do negócio do livro. Gostaria que o avanço tecnológico também acontecesse no plano das cabeças pensantes. Na verdade, pouco importa em qual das plataformas a leitura acontece: papel ou eletrônico. Precisamos de leitores. Gosto de saber que o melhor da vida acontece fora da caixinha!
6 – Parece que um dos principais problemas da crise tem sido a margem de lucro que em todos setores da cadeia foi reduzida. Na sua opinião, a afirmação que o livro é caro no Brasil é verdadeira? O que pode ser feito para proporcionar uma recuperação dessa margem de lucro na venda de livros no Brasil?
O livro já foi caro. Perdeu nos últimos dez anos mais-valia e seu valor real como produto. Vem, infelizmente, sendo usado como chamariz para outros produtos e até como isca para atrair perfis para cadastros ativos. Aposto na lei do preço único, na boa gestão de uma política cultural inteligente para o livro, em políticas e campanhas pelo hábito da leitura e na formação de bibliotecas públicas. Sou contra qualquer tipo de protecionismo e reserva de mercado, mas sou a favor de uma regulação equilibrada de proteção para o livro e outros bens culturais, que estão sendo dizimados da nossa memória cultural.
O preço médio de capa do livro no Brasil vem caindo desde 2004, apesar dos custos de serviços e insumos crescentes e indexados. Em algum lugar da curva de equilíbrio, o livro perdeu o bonde e o direito de praticar o seu preço justo e remunerar, consequentemente, todos os agentes do processo. O livro não está em crise. O mercado, sim. As pessoas continuam lendo e mais do que nunca estão apaixonadas por uma das mais incríveis invenções da humanidade: o livro.