Euclides da Cunha e o marco amargo da memória

Estadão - Lourival Holanda - 24/11/2018 |

Em entrevista a Roberto d’Ávila, numa rede de televisão brasileira, Jorge Luis Borges dizia de sua admiração inconteste por Euclides da Cunha. Borges, talvez, não se furtasse à simetria que põe de par Euclides e Sarmiento. Ambas empresas literárias notáveis pela grande densidade expressional com que levantam a análise social em interpretação.

Desde os escritos de juventude Euclides persegue a forma literária, a despeito da força do paradigma positivista que fora o de sua formação. Esta busca é tanto mais tenaz porque tem a enfrentar percalços de certas circunstâncias de uma vida que tudo fazia crer pouco destinada à literatura.

A forma literária, deliberada, em Euclides da Cunha, é mais reveladora de seu propósito do que as supostas intenções de conteúdo sociologizante, emprestadas pelos primeiros críticos euclidianos. É o que resulta evidente ao ser a obra estudada pelos métodos formais mais modernos. Se hoje o texto guarda grande força e autoridade social, é sobretudo por sua qualidade literária, pela força da narrativa.

Natural, portanto, o primado da análise literária para um entendimento claro do propósito e força do texto. Os outros aspectos estarão subordinados a esse cuidado preliminar. Aliás, é lição de Paul Valéry: se, na operação cirúrgica, primeiro se procede a uma assepsia das mãos, na leitura, o cuidado preliminar é saber do que se está falando – já que o modo de dizer diz o modo de ver o mundo. Diminui-se assim o risco das falsas suposições.

Hoje parece fora de dúvida ter o texto uma marcada pretensão literária. Ainda que a obra esteja no bojo de um projeto político de testemunho e denúncia – que Euclides considerava da maior importância na ocasião –, o modo que escolheu para apresentá-lo é propositadamente literário.

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