Veja - Fernando Molica - 29/05/2018 |
Acostumado a histórias de suspense, imprevistos e reviravoltas, o mercado de livros no Brasil virou protagonista de um enredo desse tipo, que promete novos capítulos antes de chegar a um final, de preferência, feliz. Justo no momento em que esperavam um respiro depois de três anos seguidos de retração, as editoras foram atropeladas pela decisão da maior rede de livrarias do país, a Saraiva, dona de 30% do mercado, de suspender pagamentos e renegociar prazos junto aos fornecedores. A medida se insere em seu plano de recuperação de um prejuízo que bateu em 52 milhões de reais no ano passado. A dívida protelada, que corresponde a livros comercializados de dezembro de 2017 a março último (o arranjo entre editoras e livrarias é de vendas por consignação), chega a 120 milhões de reais. O calote da Saraiva se une à pilha de dificuldades (veja o quadro ao lado) que os livreiros brasileiros vêm enfrentando de 2014 para cá, período em que as vendas derraparam e o faturamento das editoras caiu mais de 20%.
Os resultados da Saraiva no primeiro trimestre indicam um lucro de 1,3 milhão de reais. É modesto, mas intensamente comemorado em um mercado no qual a crise econômica do país abriu um rombo. Em questão de poucos anos, cerca de 600 livrarias encerraram suas atividades, a Laselva quebrou e a francesa Fnac transferiu nome e ativos para a Livraria Cultura e saiu do Brasil. A própria Cultura, a segunda maior, com uma fatia de 10% do mercado, atrasou repasses em 2016 e 2017 e fechou quatro lojas herdadas da Fnac. Aparentemente está pagando em dia, mas também negocia com seus fornecedores prazos maiores e descontos mais generosos. As ondas da crise desaguaram nas distribuidoras: uma das maiores, a BookPartners, está em recuperação judicial. “Minha lista de clientes, entre livrarias e distribuidoras, já tomou três páginas. Hoje, cabe em uma”, lamenta um editor que não quis se identificar para não atrair animosidades do mercado.
O setor teve o primeiro baque em 2014, quando o governo federal, cliente de enorme peso, foi levado pela mesma economia combalida a suspender a compra de obras literárias para escolas e bibliotecas. A partir daí, o mercado despencou prateleira abaixo. Uma agravante sempre citada pelos especialistas no ramo foi a decisão tomada pelas editoras nos tempos de bonança de segurar o preço dos livros, contando que a venda em grande quantidade compensaria o lucro menor por unidade. Resultado: 190 milhões de exemplares vendidos em 2006 renderam 18% mais para as empresas do que 230 milhões comercializados em 2016. Nesses mesmos dez anos, calcula-se que o preço real médio do livro nas editoras caiu de 26 para 17 reais. Desde o ano passado as editoras vêm aumentando os preços, com o propósito de reverter a situação, mas o efeito ainda está longe de repor as perdas e pode até vir a agravá-las, afugentando possíveis compradores.
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