Neste ano de 2018, a geração que entra na Universidade de São Paulo é a geração que nasceu nos anos 2000 e isso exige alguma reflexão. Quem são esses nossos alunos que vivem em uma realidade tão diferente daquela que formou seus pais? As circunstâncias políticas são outras, a vida social foi modificada, as tendências culturais, estéticas e até afetivas mudaram, mas houve, sobretudo, uma revolução no campo das tecnologias. Isso produziu o advento de uma sociedade digital, o que traz efetivamente enormes implicações educacionais. Essa sociedade digital impactou as formas de ler e de conviver. Presenciamos hoje uma geração de ‘leitores de celulares’. Uma geração profundamente familiarizada com os recursos da internet, mas com alguma dificuldade de discernimento sobre o que ‘merece’ ser lido…
É preciso meditar sobre o significado dessa nova realidade. Tal desafio supõe discutir a historicidade das atividades de leitura. A leitura, como prática social, existia já na Grécia e coincide com o letramento da sociedade. Houve uma primeira revolução da leitura, quando no princípio da era cristã, o rolo foi progressivamente substituído pelo códice. As formas de ler foram, com isso, alteradas. O rolo não permitia, por exemplo, a leitura e a escrita ao mesmo tempo. O códice já admite essa possibilidade. É preciso lembrar, entretanto, que na Alta Idade Média, perdeu-se praticamente a capacidade da leitura silenciosa. Até o século VIII não havia separação das palavras. A paragrafação foi algo que aconteceu apenas no século XIV. Com Gutenberg temos uma nova revolução da leitura. Permanece o estilo do códice, mas amplia-se ali significativamente o conjunto de exemplares que passam a circular no cenário cultural da época. Com a cultura impressa, os livros passarão a circular em maior quantidade. Progressivamente, deixam de ser um produto raro. A Reforma protestante oferecerá um cenário no qual a leitura intensiva das obras torna-se imprescindível. No século XVIII, como se sabe, os livros serão, com o Iluminismo, um poderoso instrumento de crítica social. Os livros sempre desempenharam esse papel. Mas a crítica no século XVIII surge como uma arma de ação coletiva dos intelectuais, que falavam por textos escritos…
A partir do século XIX, os livros circulam de maneira absolutamente livre pelas populações. Porém, a alfabetização era ainda diminuta. Daí o papel que os impressos terão na produção dos livros didáticos, dos compêndios escolares que se constituirão desde que se organizaram os sistemas nacionais de ensino, tanto na Europa quanto, especialmente a partir do final do século XIX, nas Américas. A escola moderna sempre lidou de maneira desconfiada com a leitura. Daí a criação de manuais didáticos, voltados não apenas para ensinar a matéria ao aluno, mas para mostrar qual matéria deveria ser ensinada ao aluno. Com as práticas de ler didaticamente organizadas, a leitura torna-se, ela mesma, uma leitura regrada. Todavia as sociedades tinham receio do poder transgressor dos conteúdos lidos. Daí o medo que tinham do gesto de ler. Estudos demonstram que o receio por leituras subversivas persistiu no mundo ocidental até os anos 70 do século XX, quando, com a televisão, houve um decréscimo nas práticas leitoras.
Ler Mais: Jornal da USP