O politicamente correto vai matar a literatura, diz Paulo Coelho

Folha de São Paulo - Maurício Meireles - 30/04/2018 |

O pólen flutua diante dos olhos e vai se deitar em cima dos carros. Dá para vê-lo nas roupas pretas de Paulo Coelho, cujas mãos coçam, os olhos incham e a cabeça raspada fica com manchas. É uma época difícil para os alérgicos na cidade suíça.

Para um mago, até que ele tem superstições bem comuns: antes de beber o vinho frisante, molha o dedo e pinga uma gota na mesa, para o santo. Ao visitar seu apartamento em Genebra, é preciso sair pela mesma porta.

O escritor recebeu a Folha em sua casa, seis andares e mais uma cobertura dúplex, com academia, janelões e jardim do qual é possível ver os Alpes. Ele vive lá com sua mulher, a artista plástica Cristina Oiticica. Não há livros. Os dois leem tudo em edições digitais.

O casal leva uma vida pacata. Veem filmes e séries todos os dias e todos os dias caminham, contando os passos com um aplicativo. Antes, eram 10 mil; agora, 7.000. Coelho, aos 70 anos, diz que só pode ser um defeito do celular.

O autor lança agora “Hippie”, em que revive a época em que era cabeludão, vestia a mesma jaqueta jeans, usava drogas e errava por aí com pouca grana no bolso. No romance, repassa um velho amor, vivido em uma viagem no Magic Bus, que saía de Amsterdã e ia até o Nepal. O livro, diz, é uma resposta ao fundamentalismo que grassa pelo mundo.

Antes de receber a reportagem, fez uma exigência: não queria falar de política. Ao ouvir as perguntas, tentou dar a volta na tortilha —expressão que usa muito e significa ter ginga para se livrar de encrencas—, mas, ao fim, falou.

Em sua casa, num passeio de carro até a fronteira da Suíça com a França e em um jantar, a Folha esteve quase oito horas com o mago. Ele falou de sua decepção com Lula e o PT, contou um encontro com o ex-presidente no Palácio de Buckingham e disse que o petista abandonou José Dirceu, amigo do escritor, aos cães.

Relatou ainda o dia em que seu quarto de hotel foi invadido a mando do produtor Harvey Weinstein, posteriormente envolvido num escândalo de assédio sexual, contou de sua amizade com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, protestou contra o politicamente correto e narrou experiências sobrenaturais —como um encontro com um anjo e outro com o Diabo. O resultado editado está abaixo.


Paulo Coelho, 70

Nascido no Rio em 24 de agosto de 1947, estudou no colégio jesuíta Santo Inácio. Foi diretor e ator de teatro, jornalista e compôs músicas com Raul Seixas. Começou a publicar nos anos 1980; o primeiro sucesso, com ‘O Alquimista’, não veio de imediato, mas o livro tornou-se, segundo o ‘Guinness Book’, o mais vendido de um autor vivo no mundo



Folha - Por que resolveu lembrar sua época de hippie?
Paulo Coelho - Vi que o mundo estava caminhando para um fundamentalismo tremendo. Isso não está legal. Há causas importantes, como o direito da mulher. Já outras, como a alimentação, pô, deixa rolar, não força a barra. Era uma época em que tudo o que acontece agora acontecia naturalmente. Era uma geração que tinha consciência da importância do corpo, da música, da alimentação, da poesia, da alma —de tudo. E de repente, cara, aquilo sumiu.

Por quê? 
Por causa das butiques. De repente o hippie virou só o exterior. Começou o hippie de butique. Minha mulher foi hippie de butique! [risos] O sistema absorveu tudo dos hippies, como a roupa, que era uma maneira de identificar a tribo. A música foi para as grandes corporações.

Você ainda se sente hippie? 
Sempre serei. Uma vez que você viveu essa experiência, ela te abriu certas portas. Não estou falando de drogas. Já viu que [a maconha] é liberada aqui? Apesar de ser liberada, eu não fumo. A última vez foi em 1982, em Amsterdã. Aí parei [com drogas].

Parou por quê? 
Ficou repetitivo. Cocaína eu parei em 1974, no dia da renúncia do Nixon. Vi que, se eu continuasse com aquilo, eu estava ferrado, ia me enganchar. Cria-se um mito [proibindo as drogas] —descontando cocaína e heroína. Heroína é o Demônio. Cocaína te dá todas as ilusões que o Demônio te dá, a ilusão e poder.

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