O Povo - 20/03/2018 |
O sertão pega fogo. Expulsa gente pobre das terras, faz minguar palavras, assim como minguam a água e a comida. Este sertão - físico e íntimo - é protagonista do romance Vidas Secas, mais famosa obra do alagoano Graciliano Ramos, que celebra 80 anos de lançamento em 2018. Este ano traz ainda outras duas efemérides importantes. Em 20 de março de 1953, há exatos 65 anos, morria o romancista, memorialista, cronista, contista, jornalista, político e autor de Vidas Secas. E, há 55 anos, o diretor Nelson Pereira dos Santos lançava filme homônimo ao livro de Graciliano e que entraria para o rol de melhores produções da filmografia nacional.
Escrito entre 1937 e 1938, o livro quase foi lançado com o título Um Mundo Coberto de Penas, mas o autor foi dissuadido. Os dizeres passaram a ser somente nome de um dos 13 capítulos em que a obra é dividida. O livro é o quarto da bibliografia do alagoano, precedida por Caetés (romance de estreia), São Bernardo e Angústia.
A narrativa gira em torno do casal de retirantes Fabiano e Sinha Vitória, pais do “menino mais novo” e do “menino mais velho”, como nomeia o autor. Eles são acompanhados da famosa cachorra Baleia e de um papagaio, que morreu na seca.
O professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal de Minas Gerais, Gustavo Pereira Ribeiro, acredita que este texto é o principal na obra de Graciliano, sendo uma espécie de resposta ao Romance de 30, à seca e à exclusão social. “Por outro lado, é um texto muito pessoal. Outros autores que escreveram sobre o Nordeste no mesmo período enfatizavam aspectos diferentes. A seca, em Graciliano, é uma parte estruturante. A seca é personagem”, analisa.
Apesar da aspereza do tema que percorre o quarto livro do escritor, Graciliano consegue pulverizar uma poética humanizada na construção da narrativa. A obra é escrita em formato de romance, mas o autor faz fluir a poética do sertão e do sofrimento nas páginas. Vidas Secas é também e - principalmente - poesia.Uma poesia dolorida.
“A maior parte dos leitores conhece o Graciliano com textos mais substantivos, mais nominalistas, com a ausência generalizada de falas (característica muito presente no livro oitentão)”, lembra Gustavo. “Em Vidas Secas, os personagens pouco falam, eles usam interjeições e formas animalizadas da linguagem para se expressar. É um texto seco, árido, mas poético. É a síntese formal da obra do Graciliano”.
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