Antonio Cícero toma posse na ABL com presença de ilustres da MPB

O Globo - Bolívar Torres - 18/03/2018 |

Antonio Cícero passou a última sexta-feira, dia da sua posse na Academia Brasileira de Letras, isolado, tentando terminar o seu discurso. Celular desligado, telefone fixo caindo na secretária. Vários e-mails não respondidos. Aguardava-se sua chegada na casa de Machado de Assis às 19h15m para fotos e entrevistas antes da cerimônia (marcada para as 21h), mas já eram quase 20h e nada.

Até que, em cima do laço, o poeta e filósofo, autor de livros como “O mundo desde o fim” e letras de sucessos da MPB como “Fullgás”, apareceu devidamente enfiado no fardão, discurso em mãos, pronto para ser imortalizado.

— Estava até agora reescrevendo o discurso, não estava achando bom — disse ele — Reescrevi três vezes nas duas últimas semanas. Estou acostumado a dar palestras, mas isso é diferente, não é para ser muito teórico. Queria algo mais pessoal, mas não tanto. Acho que consegui o tom.

Cícero dedicou carinho especial ao texto, desde ontem gravado para sempre na história da instituição. Depois de duas tentativas frustradas de entrar para a Academia, ele finalmente conseguiu sua eleição em agosto do ano passado, para a cadeira 27, que tem como fundador o escritor e abolicionista Joaquim Nabuco e pertencia até então a Eduardo Portella.

Como manda a tradição, Cícero dedicou boa parte da sua fala a homenagens ao antecessor e ao patrono. Mas também usou sua intervenção para defender o que considera uma das principais funções de uma academia: a determinação do cânone literário.

“Contra o relativismo difuso que vigora em nossos dias, afirmo que existem obras boas e obras ruins, obras insignificantes e obras imortais”, leu em voz alta o novo acadêmico. “Um poeta que acredita que todos os poemas ou todos os textos se equivalem — por exemplo, que tudo é relativo ao gosto da pessoa que julga — não tem por que produzir uma obra nova. Pois bem, o cânone pretende ser o conjunto das obras modelares, exemplares, imortais. Ele é tanto mais perfeito quando mais perto disso chegar.”

Autor e teórico com formação filosófica e literária, leitor dos clássicos gregos no original, Cícero já vinha sustentando essa ideia há um tempo (escreveu um capítulo sobre o tema seu mais recente livro, “A poesia e a crítica”). Mas não deixa de ser curioso que ela seja levantada na mesma noite em que a Academia celebrou um maior envolvimento com a cultura popular.

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