Point de escritores, livraria Folha Seca ecoa Rio de um outro tempo

O Globo - Bolívar Torres - Leonardo Lichote |

RIO — Em uma crônica de 1865, Machado de Assis descreveu o ambiente de uma antiga livraria do século XIX, onde chegou a trabalhar em sua juventude. Lá, vez por outra, reunia-se a Sociedade Petalógica (de peta, sinônimo de mentira) — uma associação sem atas, sem metas, sem carteirinha, com representantes de diversas classes sociais, letrados ou não. Nesse Rio Antigo, dissolvido na poeira dos séculos, os membros do excêntrico grupo conversavam sobre tudo, escreveu o Bruxo, “desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da moda”.

Rodrigo Ferrari tem uma livraria no Rio, neste início do século XXI. Neste outro tempo, nesta outra cidade, o livreiro fez brotar a sua própria versão da Sociedade Petalógica. Encravada na Rua do Ouvidor desde a virada de 2003 para 2004 (antes, entre 1998 e 2003, ficava num espaço no Centro de Arte Hélio Oiticica), a Folha Seca se tornou ponto de encontro de acadêmicos, compositores e boêmios de todo tipo — o povo da rua, enfim.

Seja num dia comum ou numa tarde de evento, a livraria funciona como um espaço de resistência de um Rio cada vez mais raro. Nas suas mesas, frequentadas por figuras como os jornalistas Ruy Castro, Álvaro Costa e Silva e Lira Neto, o historiador Luiz Antonio Simas, o romancista Alberto Mussa e o cartunista Cássio Loredano (que assina a ilustração dessa página), entre outros, surgem formas muito peculiares de pensar os dilemas passados, presentes e futuros do estar junto carioca. Uma conversa solta e espontânea.

— Essa ideia do papo furado que acontece ali retrata uma cidade virada para a rua que de certa maneira está morrendo — avalia Simas, autor de livros como “Pedrinhas miudinhas: ensaios sobre ruas, aldeias e terreiros”. — Livrarias de rua estão sendo engolidas pelas dos shoppings, onde você não tem a conversa, o vínculo. É uma cidade de rua que é uma flagrante oposição à cidade de passagem. É a esquina, o encontro.

Para Simas, é aí que “a cidade acontece”. Fora do Twitter e do Facebook. E sem a urgência de produzir, de estar em trânsito.

— Ali surgiram conversas produtivas, exatamente porque não as percebemos como produtivas — diz. — É o que acontece ao falarmos sem compromisso da vida, de futebol, de samba. Isso vai maturando uma série de ideias. Escrevi muita coisa por causa do ambiente da Folha.

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