Por um mercado mais profissional

Associação Estadual de Livrarias do Rio De Janeiro - 24/04/2017 |

Tornar o mercado livreiro mais profissional e transparente é a principal proposta do editor Marcos da Veiga Pereira, que assumiu a presidência do Sindicato Nacional dos Editores de Livros -  SNEL -  em 2015 e termina este ano  o primeiro mandato à frente da entidade com vitórias nesse sentido.

Em sua gestão, o SNEL, com o instituto de pesquisas Nielsen, iniciou a divulgação mensal do Painel das Vendas de Livros no Brasil que, para o editor do site PublishNews, Leonardo Neto,  é um marco importante na indústria editorial: ”uma  ferramenta valiosa para quem tem o livro como matéria prima”.

A entidade também prepara o primeiro Censo do Livro Digital no Brasil e, pela primeira vez,  se mostra favorável a regulamentação do mercado editorial através de uma lei que já vinha sendo reivindicada pela Associação Nacional de Livrarias  e pela  AEL há muitos anos.

Com o irmão Tomás da Veiga Pereira, Marcos é sócio da Editora Sextante, uma das mais bem sucedidas do Brasil ; somente este ano colocou 39 títulos na lista dos mais vendidos do PublishNews, empatada  em primeiro lugar com a Intrínseca.

Os dois editores  são netos de José Olympio, livreiro em São Paulo na década de 30 e maior editor do país na década de 50  à frente da casa com seu nome, e filhos de Geraldo  Jordão Pereira  fundador da editora Salamandra e da Sextante.

Em sua gestão no SNEL duas metas propostas na posse foram alcançadas, a Lei das Biografias e a isenção tributária para e-books. E como ficou a Lei do Preço Fixo?

Tanto a Lei das Biografias como a isenção dos livros eletrônicos foram pautas que herdei da Sonia Jardim. Ela e o Roberto Feith, então vice-presidente, merecem o crédito. Claro que a nova diretoria encampou essas bandeiras e as levou para frente. Mas o grosso do trabalho foi feito na gestão anterior. Estamos colhendo a vitória de algo que foi plantado lá atrás. As duas outras bandeiras na nossa posse eram a Lei do Preço Fixo e a Lei do Direito Autoral.

No caso da Lei do Preço Fixo a gestão anterior da Sonia Jardim se mostrava reticente.

Não colocaria na boca da Sonia. Acho que os editores em geral e eu mesmo durante muito tempo fui uma voz contrária à Lei do Preço Fixo. Não tínhamos muita clareza de como era a aplicação da lei no mundo e do impacto realmente danoso que a concorrência passou a praticar. Achamos que a concorrência era boa. Só que ela passou a ser desleal e aí se entra em um ciclo que é impossível se manter as livrarias saudáveis.

Essa consciência veio com a chegada da Amazon ao Brasil?

Acho que não. Foi no momento em que o varejo on-line ganha relevância e começa a interferir no varejo tradicional. Você começa a ter perda de fluxo nas lojas por conta dele. Talvez a Amazon exarcebe esse momento, mas ele já estava instalado. Já vivíamos essa guerra de preços há bastante tempo. E naquela transição os editores novamente são chamados para discutir o preço fixo e talvez eu tenha exercido uma liderança no sentido de mudar a opinião dos editores porque percebi que era o momento de termos isso como uma lei. Acho que um pacto entre o mercado não funcionaria. O mecanismo deve ser legal.

Por isso o SNEL não assinou o Manual de Boas Práticas da ANL na Convenção de 2016?

Acho que sim. Ali você tem uma discussão adicional complicada que é a distribuição do livro didático no Brasil. Que me lembre vem desde os anos 60. Me lembro do meu pai e do meu avô em reuniões em que os livreiros acusavam os editores de venderem diretamente através da escola. É uma discussão que tem mais de 50 anos e me parece perdida. São formas diferentes de vender o livro. O que o editor de didáticos mais precisa é que o professor adote o livro e a livraria nem sempre atende a essa necessidade. É uma polêmica grande. É a história do ovo e da galinha. Mas quando o Bernardo me chamou para conversar sobre o mercado, falar sobre o Manual de Boas Práticas, não vi na assinatura daquele documento algo que fosse efetivo. Como presidente do SNEL não vou recomendar algo que não sinta que vá fazer uma diferença. Sou muito pragmático. Gosto que minha fala esteja coerente com minha prática. Não vi naquele documento a solução para o mercado.

A Lei do Preço Fixo tem perspectivas de ser aprovada no Brasil?

Nosso maior desafio é como convencer a sociedade de que um projeto que restringe descontos ao consumidor é benéfico para ele. Se eu publicar um artigo no PublishNews dizendo que a Lei do Preço Fixo é boa para o consumidor, tenho certeza absoluta de que vou ter 95% de comentários negativos. Para mim não há problema porque não estou em nenhum concurso de popularidade. Mas para um senador ou deputado há. Eles têm de ter um nível de convicção monumental para falar isso. Não chega a ser reforma da previdência em nível de rejeição, mas é muito grande. Dito isso, a Lei do Preço Fixo é cada vez mais urgente. A situação do mercado editorial brasileiro exige que tenhamos uma definição de lei que proteja o mercado como um todo. Esse projeto nasceu para proteger todo o ambiente do livro, não só a pequena livraria. O que está em jogo é a percepção de valor que o livro tem para a sociedade. Se o consumidor passa a acreditar que o livro só vale 70% ou 60% do preço que foi definido pelo editor, isso vira a crença dele. Tivemos uma desvalorização imensa do preço do livro ao longo dos anos. O preço até aumentou um pouco nos últimos 18 meses porque chegou a um nível em que não dava para trabalhar.

Em 2016 a parceria inédita entre o SNEL e a AEL  gerou o 1º Festival das Livrarias do Rio. Há outras formas de juntar essas  entidades às vezes tão distanciadas?

Talvez um diferencial da nossa gestão tenha sido estarmos mais abertos às entidades do livro em geral. Essa proximidade é vantajosa para todos embora nem sempre iremos chegar a um denominador comum. Durante esses dois anos e meio tivemos uma participação permanente no fórum das entidades do livro. Tivemos uma aproximação muito bacana com a AEL. Institucionalmente é muito importante estar próximo porque se discutem questões como a Lei do Preço Fixo, como a Lei Brasileira de Inclusão. Agora, o SNEL tem capacidade de influenciar os editores, mas não consegue determinar as práticas comerciais que eles vão ter. A Aleph, por exemplo, decidiu que nos próximos quatro meses fará todos lançamentos com exclusividade com a Amazon. Eles são soberanos. Você também vai ver grandes cadeias de livrarias fazendo campanhas com adesão da editora A ou B. No final é melhor quando entendemos que esses assuntos dizem respeito a todos nós. Posso nem sempre concordar com a visão que os livreiros têm, mas acho que é importante discutir, ao invés de desconsiderar.

Quais são suas discordâncias com relação às práticas dos livreiros?

Se depois da minha gestão no SNEL perguntarem: “qual a grande contribuição que o Marcos deu para a indústria editorial?”, adoraria ouvir: “o Marcos tornou o mercado mais profissional”. É preciso que as relações sejam mais profissionais: por isso trabalhamos em  questões de transparência, as pesquisas, a criação do Painel de Vendas da Nilsen, a antecipação dos resultados da FIPE, o trabalho de consignação. Acho que as relações são de muita confiança. Trabalho há 36 anos nesse mercado. Cheguei a pegar a dúzia de treze. Se vendiam doze livros mas eram entregues treze como bonificação. Em 1994, no início do Plano Real, houve uma grande transformação: o varejo deixa de viver da gestão financeira e volta à comercial, observando os parâmetros que uma gestão comercial tem: giro, margem, custos. As livrarias começam a se informatizar, e aí talvez percam um pouco na questão da qualidade do serviço. Também houve essa questão fundamental que foi a mudança do regime de compra para o de consignação. Em alguns casos, mais que a maioria, houve uma perda de gestão porque parece que o livreiro não tem responsabilidade sobre aquele estoque. Isso gera uma questão na qualidade da informação. Gera uma desconfiança entre editor e livreiro sobre a gestão dos números nos acertos de consignação. Esse ambiente nunca é favorável. Também temos investido em melhorar a tecnologia entre as partes de modo que a informação flua de uma forma mais transparente.

A tecnologia foi mais ou menos benéfica para o mercado editorial?

Vejo em dois aspectos. O primeiro é o gerencial. A própria gestão das livrarias é muito mais informatizada, o que possibilita saber o que há em um estoque com uma infinidade de itens e ver qual o giro dos livros. Onde talvez tenha havido uma perda foi no relacionamento do livreiro com o consumidor. O meu avô foi um gerente de loja na Casa Garraux e era o preferido da sociedade paulista porque conhecia os livros. Também conhecia os consumidores e fazia a junção. Temos perdido ao longo dos anos essa característica de livraria de bairro em que você lida com a comunidade do entorno. Esse atendimento personalizado foi sendo perdido e ficou  muito mais difícil. Hoje o número de lançamentos por ano, livros em que há uma aposta da editora, excluindo os livros técnicos e reedições, deve estar em torno de 10 mil por ano. São 50 títulos novos por dia útil. Lidar com isso sem tecnologia é muito complicado, mas ao mesmo tempo ela não lhe dá todas as respostas. É preciso ter um feeling; ser um profissional que conhece esses itens. Tem também o outro lado da tecnologia que são os novos formatos que, diferente das outras indústrias vieram para ocupar um espaço: o livro digital e o audiolivro. Entendo que funcionam muito bem para quem já é um leitor tradicional; ele migra com mais facilidade. Não vejo novos entrantes no livro através deles. A única diferença é que tanto no digital quanto no audiolivro é impossível ter uma grande capilaridade. Vai ser um mercado concentrado em poucos players. O livro digital está concentrado em seis grandes canais. Não adianta investir para ser a nova livraria de livros digitais. Não recomendo.

Qual sua opinião sobre o e-book, que teve queda de crescimento nos EUA e parece não ter emplacado por aqui?

A minha percepção foi de que o crescimento aqui no Brasil em 2016 foi de 20%. Neste momento estamos fazendo um censo sobre a produção e venda em 2016. Vai ser um marco. Daqui para frente teremos informação, antes era especulativo. O que sabemos é que no digital a não ficção funciona médio e a autoajuda e espiritualidade funcionam pouco. A ficção mais comercial funciona bem e pode chegar em alguns títulos a 10% das vendas. Há uma concentração muito grande da autopublicação nessa área. Se tivesse de chutar diria que na média o livro digital estaria em torno de 3% do mercado. Esse crescimento de 20% significa sair de 3% e ir para 3,6% no ano seguinte. O que continua muito pequeno. A expansão americana foi de 3% para 7%, para 15%, para 25%. Daí, ela começou a declinar no momento em que os editores conseguem estabelecer uma regra de precificação que valorize de novo o livro digital. A grande questão do crescimento do livro digital nos Estados Unidos e na Inglaterra, países onde não há Lei do Preço Fixo, é que se começou a vender o livro digital a 9,99, 7,99 e 6,99 . Na hora em que os editores dizem não, o livro é 12,99, 14,99 o consumidor recua. Mas acho uma venda mais saudável. Valoriza o livro, valoriza o autor.

Como anda no Brasil a tendência da autopublicação, que  está forte na Europa?

Conheço a experiência que a Amazon e a Saraiva têm de autopublicação. As empresas declaram números bons, positivos. Confesso que não sei qual o impacto que isso tem na indústria como um todo. Tem gente lendo. Quando você entra na Amazon e vê a página do Kindle com os 100 livros mais vendidos, pelo menos 40% são autopublicados. Você vê os preços e são bem mais acessíveis no preço. Eu adoro o que faço, adoro editar. Ser um comerciante de livros é parte do que a gente faz. Fico muito mais pleno na minha capacidade empresarial toda vez que ajudo um autor a fazer um livro melhor; quando a gente intervém e consegue construir em conjunto. Acho que essa profissão continua tendo um valor agregado muito grande. Claro que o livro autopublicado tem a sua função e, às vezes, é até uma forma de chamar a atenção para o editor que vai fazer aquele livro acontecer em uma escala maior.

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