Entre o Romantismo e Machado de Assis: a literatura nacional

Estadão - 10/09/2018 |

Quando se pensa em literatura brasileira, deve-se ter em mente muito mais do que um título supostamente inconteste e neutro sob o qual podemos agrupar de forma mais ou menos cronológica os textos escritos por autores considerados nacionais. A literatura brasileira é antes de tudo um conceito, uma expressão carregada de possíveis significados e propósitos estabelecidos. Como qualquer outra organização literária ou cultural, deve ser compreendida como um processo artificial; não apenas influenciado, mas conduzido por perspectivas críticas, teóricas, literárias, políticas, históricas, sociológicas e institucionais.

Pensando na forma como os mais diversos autores e obras ao longo da história são valorados e articulados em função da construção e manutenção da ideia de uma literatura brasileira, não se deve perder de vista que não são apenas os autores que projetam intenções e significados ao escreverem suas obras. Uma tradição crítica é igualmente responsável por lançar sentidos e arquitetar organizações que costuram silenciosamente toda essa teia de obras e autores, dando-lhe uma aparência de irrefutável naturalidade e incontestável teleologia. Por isso, mapear os propósitos implícitos e explícitos, assim como as principais etapas e atores envolvidos no processo de solidificação ou cristalização desse conceito significa desnaturalizá-lo, mas também criar novas possibilidades de ampliá-lo. Pensar em novos critérios de organização e análise das obras e autores que constituem a literatura brasileira nos permitiria investigar os meandros da construção e legitimação de uma ideia fundada no século XIX e que para seguir o rumo pretendido ora rejeitou ora privilegiou missões, autores, obras, temas, formas, teorias e metodologias.

Ao longo do processo de fundação da literatura brasileira, no século XIX, no Romantismo, a condição literária se equivaleu a um projeto nacional. Partiu-se do princípio de que, por um lado, para que fosse possível a existência de uma literatura nacional seria preciso antes que houvesse uma nação à qual ela fizesse referência, dela fosse fruto ou de alguma forma com ela se relacionasse ou expressasse. Por outro lado, a existência de uma literatura nacional passou a ser parte fundante de um projeto que pretendia elevar o Brasil à condição de nação, com território e organização política definida, uso expressivo da língua e cultura representativa. Naquele momento, em solo brasileiro, literatura e nação não se ultrapassavam, mas se equivaliam e se constituíam como realidade e ficção criadora uma da outra. Ser romântico era ser nacional, que por sua vez era ser moderno; a independência nacional nos levaria à independência literária e esta reafirmaria nossa autonomia como povo, nação e produtor de uma cultura autônoma.

Quando se pensa em literatura brasileira, deve-se ter em mente muito mais do que um título supostamente inconteste e neutro sob o qual podemos agrupar de forma mais ou menos cronológica os textos escritos por autores considerados nacionais. A literatura brasileira é antes de tudo um conceito, uma expressão carregada de possíveis significados e propósitos estabelecidos. Como qualquer outra organização literária ou cultural, deve ser compreendida como um processo artificial; não apenas influenciado, mas conduzido por perspectivas críticas, teóricas, literárias, políticas, históricas, sociológicas e institucionais.

Pensando na forma como os mais diversos autores e obras ao longo da história são valorados e articulados em função da construção e manutenção da ideia de uma literatura brasileira, não se deve perder de vista que não são apenas os autores que projetam intenções e significados ao escreverem suas obras. Uma tradição crítica é igualmente responsável por lançar sentidos e arquitetar organizações que costuram silenciosamente toda essa teia de obras e autores, dando-lhe uma aparência de irrefutável naturalidade e incontestável teleologia. Por isso, mapear os propósitos implícitos e explícitos, assim como as principais etapas e atores envolvidos no processo de solidificação ou cristalização desse conceito significa desnaturalizá-lo, mas também criar novas possibilidades de ampliá-lo. Pensar em novos critérios de organização e análise das obras e autores que constituem a literatura brasileira nos permitiria investigar os meandros da construção e legitimação de uma ideia fundada no século XIX e que para seguir o rumo pretendido ora rejeitou ora privilegiou missões, autores, obras, temas, formas, teorias e metodologias.

Ao longo do processo de fundação da literatura brasileira, no século XIX, no Romantismo, a condição literária se equivaleu a um projeto nacional. Partiu-se do princípio de que, por um lado, para que fosse possível a existência de uma literatura nacional seria preciso antes que houvesse uma nação à qual ela fizesse referência, dela fosse fruto ou de alguma forma com ela se relacionasse ou expressasse. Por outro lado, a existência de uma literatura nacional passou a ser parte fundante de um projeto que pretendia elevar o Brasil à condição de nação, com território e organização política definida, uso expressivo da língua e cultura representativa. Naquele momento, em solo brasileiro, literatura e nação não se ultrapassavam, mas se equivaliam e se constituíam como realidade e ficção criadora uma da outra. Ser romântico era ser nacional, que por sua vez era ser moderno; a independência nacional nos levaria à independência literária e esta reafirmaria nossa autonomia como povo, nação e produtor de uma cultura autônoma.

Ao longo do século XIX, a interdependência entre uma literatura que precisava de uma nação para se tornar nacional e de uma nação que precisava de uma literatura para se legitimar com plenamente autônoma e independente nos fez crer que caberia também à literatura a missão de pensar, representar ou mesmo fundar o país, muito porque, se o Romantismo iniciou um projeto determinante de modernidade literária, este, em terras brasileiras, concretizou-se principalmente num gesto nacionalista. A fundação da literatura brasileira se confunde com a emergência de um ideal nacional e autônomo, que por sua vez se alicerça em um projeto romântico e moderno.

Se historicamente o século XIX marca a nossa separação política de Portugal, literariamente podemos dizer que as dimensões estética, social, filosófica e psicológica propostas pelos românticos europeus se harmonizaram na realidade brasileira com um objetivo específico e determinante: uma ruptura com o passado literário português e a fundação de uma nova tradição literária, simultaneamente nacional, moderna e romântica, radicalmente distinta da de Portugal, tal como ocorria entre as duas nações no processo histórico. Para que se instituísse uma fundação literária nacional brasileira seria preciso que se constituísse um momento de ruptura radical diante de tudo que antecede o ato fundador. De outra forma, permanecendo ligados a um projeto de continuidade que havia antes do século XIX, continuaríamos dependentes da literatura e cultura portuguesa.

Embalados pela vontade de ruptura que nos levou à independência política, nossos românticos, no afã de fundar uma literatura nacional e igualmente independente, se colocaram em uma encruzilhada. Se a fundação de uma literatura brasileira autônoma dependia diretamente de uma ruptura completa em relação a qualquer traço da cultura e literatura portuguesa, um problema se impunha: como construir uma literatura originalmente brasileira se até aquele momento nossa cultura era fundamentalmente portuguesa? Ainda, a partir de qual repertório cultural e literária construiríamos essa literatura autenticamente nacional?

Ler Mais: Estadão