Pedro Herz: "Ler é ouvir o outro. Mas as pessoas não ouvem mais"

UOL - Chico Castro Jr. - 02/04/2018 |

Filho de judeus alemães que vieram ao Brasil fugindo do Holocausto, Pedro Herz é, possivelmente, um dos empresários mais bem-sucedidos do Brasil – e atuando em uma área ingrata: o das livrarias. Pedro é dono e presidente do conselho de administração da Livraria Cultura, negócio fundado por sua mãe, Eva Herz, e que começou dentro de casa com dez livros em alemão que eram alugados para outros imigrantes na São Paulo do pós-guerra. Hoje, a Livraria Cultura é uma gigante do ramo – e que se agigantou ainda mais ao adquirir, no final do ano passado, as doze unidades da rede francesa FNAC (que se retirou do Brasil), além do site Estante Virtual, um portal de e-commerce e agregador de sebos. Além de empresário, Pedro também já atacou de entrevistador no programa Arte 1 Com Texto, do canal Arte 1. Com o fim do programa, passou para o YouTube, com o Sala de Visita. No último dia 21, ele esteve em Salvador para autografar seu recém-lançado livro de memórias,  O Livreiro (Editora Planeta), mas o evento foi  cancelado por causa do apagão que deixou o Nordeste e estados do Norte na escuridão.   Nesta entrevista, o empresário fala da experiência de passar de livreiro a escritor e se mostra – como não poderia deixar de ser – um homem  pragmático e até um pouco desiludido. Apesar disso, ele não perde o bom humor, e, mesmo que se discorde de suas ideias – algumas delas radicais, como a de “privatizar o Estado” –, não se pode deixar de admitir que se trata de um homem absolutamente educado e de conversa muito agradável.

O senhor tem sido um livreiro por toda a vida. Como foi passar para o outro lado do balcão, fazer o papel do escritor?

Foi tranquilo, não foi complicado. Foi uma coisa que já havia passado pela minha cabeça. Aí um dia veio um telefonema do diretor editorial da Planeta, um colega seu jornalista, o Cassiano Elek Machado, conhecido meu de longa data, que foi da Folha de S.Paulo, da revista  Piauí. ‘Vamos tomar um café?’. ‘Vamos’. ‘Quero te fazer um convite’. ‘Oba!’, eu falei. ‘Quero que você escreva um livro’. ‘Sobre?’. ‘Sua história’. ‘Sério?’.  ‘Sério!’. ‘Me dá um tempinho para eu pensar?’. Aí concordei, pronto. A partir desse momento, me sentei e estipulamos um prazo, e, aí, mãos à obra. Como sou alemão, cumpridor de tarefas e prazos e palavras (risos), me dediquei com bastante rigor e resolvi fazer a quatro mãos, queria ir contando a história e gravando, e depois que alguém tirasse a gravação. E foi assim que fiz e foi muito legal.

Escrever um livro de memórias é sempre uma experiência transformadora, dizem. O senhor saiu modificado do processo de escrita do seu livro?

Foi transformador, foi bacana. E teve uma coisa que me deu uma sensação extremamente gostosa, que é que a história não se encerra. Porque eu tive que recolher o livro depois de entregue. Você vai achar estranho isso, né? Como, recolher depois de entregue? É que eu tinha um contrato com a Planeta para entregar o livro e eu cumpri contrato. Enquanto isso, a história com a FNAC estava andando, mas é uma história que vem vindo há anos, sabe aqueles namoros? De repente, andou mais do que imaginei que fosse. Ia, vinha, ia, vinha, até que os franceses disseram ‘agora é pra valer’. Aí eu não podia falar, porque tinha um acordo de confidencialidade.

Sobre a fusão com a FNAC?

Sim, toda negociação, quando tem uma empresa absorvendo ou vendendo a outra, não se fala. Eu não podia falar. Tive que recolher o livro, que ia sair em agosto (de 2017). O Cassiano ficou, ‘pô, que coisa maluca, Pedro, que é isso’? E eu não podia falar nada. Aí recolhi  o livro e entreguei somente depois de ter assinado o negócio com a FNAC, em julho. O livro ficou para novembro (risos). Eu não podia entregar o livro com aquela informação dentro. Entreguei somente depois de ter assinado. Aí ele entendeu, ficou menos bravo comigo.  Porém, naquela ocasião, ainda andava o negócio da Estante Virtual, que eu assinei dia 26 de dezembro. Então também não podia falar (risos). Voltando à sua pergunta, é a emoção que a história continua, ainda está acontecendo. Isso é gostoso. Se houver uma segunda edição, vou introduzir um capítulo com a história da Estante Virtual.

Há algum tempo houve um rumor de fusão entre a Saraiva e a Cultura. Como ficou essa conversa?

Não, não está rolando. Mas no mercado a coisa é assim. Quando dois competidores da mesma área conversam, não importa em qual tipo de negócio, já acham que vai acontecer alguma coisa. Não é assim, não há nada.

Muito se fala que o brasileiro não lê. E o que lê, não entende. Como o senhor, que vende os livros que as pessoas leem, vê essa questão?

De alguma forma, é verdade que o brasileiro não lê. A indústria editorial brasileira não está grande coisa há algum tempo já. E isso, você, jornalista ou editor,  vê que a indústria, incluindo jornais e revistas, passa por um momento difícil  no mundo, não é só uma coisa brasileira. É uma realidade, e para agravar a situação acho que temos um país que vai  muito mal na escola, com notas piores a cada ano, e você vê a coisa acontecendo. Os jovens adultos, por exemplo, esse nicho de mercado. Hoje você vê muito blogueiro, youtuber fazendo livros, mas os leitores que eles fazem ou formam não se sustentam. É aquele livro, daquele blogueiro, que acontece.

É um interesse pontual.

Exatamente. Não é um Harry Potter, da (J. K.) Rowling...

Que leva a ler outros livros.

Que leva a ler outros livros. Essa mulher, realmente... Eu presto todas a homenagens possíveis, inclusive no meu livro, porque o que ela fez de leitores é um número inacreditável. E continua fazendo, na minha opinião. Um garoto que nunca leu um livro e lê o Harry Potter será um leitor para o futuro. Então está faltando Rowlings na vida dos escritores. Esse personagem que ela criou é uma coisa fantástica. Porque os outros são escritores momentâneos. Talvez eu também seja um desses momentâneos.

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