Global faz 45, revê sua história e mira o futuro ao lado de grandes autores brasileiros

Estadão - Maria Fernanda Rodrigues - 24/02/2018 |

Luiz Alves Júnior foi padeiro até os 22, quando resolveu investir em casas de madeira. Seus clientes eram basicamente estivadores e doqueiros do Porto de Santos, mas veio o golpe militar, a maioria foi presa e ele quebrou.

Com a ajuda do cunhado, conseguiu um emprego numa padaria em São Paulo – a de seus pais, em Santos, havia sido demolida anos antes para a abertura de avenidas. E, quase simultaneamente, com a ajuda de seu padrinho de casamento, ele entrou no mundo dos livros. É aí, em 1969, ao lado de Raimundo Rios, então dono da distribuidora Catavento, que essa história começa.

Seu Luiz, como é chamado, visitava livrarias em São Paulo para vender títulos da Globo de Porto Alegre, mas queria mais – e foi atrás de outras praças. Caixeiro-viajante, percorreu o Brasil e conheceu profundamente o negócio do livro, o que o prepararia para o que estava por vir.

Ainda com Raimundo, na virada da década de 1960 para 1970, iniciou a Farmalivros – que, em suas palavras, foi “um divisor de águas no mercado editorial brasileiro”. A empresa vendia livros em qualquer lugar que não fosse uma livraria: farmácias, postos de gasolina, salão de beleza, táxi. Um mercado novo que exigia uma logística organizada. Mais experiência para seu currículo.

Já sabendo como se vendia livro, ele quis fazer livro. E lá se vão quase 45 anos desde a fundação, em outubro de 1973, da Global.

A memória deste editor de 75 anos, filho de portugueses analfabetos que progrediram por causa de trabalho, exemplo que seu Luiz, formado apenas em panificação francesa, seguiu à risca, revê cada um dos momentos-chave de sua vida entre livros. Orgulhoso de cada uma de suas conquistas, ele vai narrando a trajetória de sua editora nesta entrevista concedida no belo casarão da Rua Pirapitingui, no bairro da Liberdade, construído em 1891, residência de Ramos de Azevedo e de sua família por várias décadas, comprado e restaurado pelo editor e sede da Global desde 1995.

Tudo começa com Adelaide Carraro (1926-1992) e seu Submundo da Sociedade, que saiu com a impressionante tiragem inicial de 20 mil exemplares. Àquela época, a Global contava com a distribuição da Farmalivros – e esse foi um empurrão e tanto para a consolidação da editora.

Depois, vieram outros dois ‘malditos’: Cassandra Rios (1933-2002) e Plínio Marcos (1935-1999). Com a chegada do moçambicano José Carlos Venâncio, que se tornou sócio e editor, o catálogo foi se fortalecendo na área de sociologia com a edição de Marx, Lenin, Stalin, Mao e Rosa Luxemburgo. Alguns anos, sete inquéritos policial-militares e muitos livros vendidos clandestinamente depois, era hora de olhar mais para a ficção nacional.

Chegaram Ignácio de Loyola Brandão, João Carlos Marinho e Cora Coralina (1889-1985). E seu Luiz decidiu que a Global seria a editora exclusiva dos grandes escritores brasileiros.

Em 2011, surpreendeu o mercado com o anúncio de que devolveria a obra de Cecília Meireles (1901-1964) às livrarias. Por causa de uma briga entre herdeiros, ela estava havia muito tempo fora de catálogo. E como ele conseguiu? “Foi sem problemas, sem problemas”, minimiza. “Cheguei falando assim: Eu me chamo Luiz Alves, meu pai se chamava Luiz Alves, era português e tal. Não quero vê-los. Se vocês querem brigar, podem brigar, mas quanto vocês querem? ‘Pau’. Como querem que eu pague? ‘Pau’. Não teve problema nenhum.”

O contrato acaba de ser renovado e, desde 2012, a Global reeditou 40 títulos da autora de Romanceiro da Inconfidência, publicou o inédito Diário de Bordo e duas novidades para os jovens leitores: Os Pescadores e as Suas Filhas e Cecília Meireles – Crônicas. Com 277.675 exemplares vendidos, Ou Isto ou Aquilo seria o best-seller de Cecília, e o segundo título mais vendido da casa, se não fosse a megavenda de 1,6 milhão de exemplares de O Menino Azul, também dela, para a campanha Leia Para Uma Criança, do Itaú, no ano passado.

Ler Mais: Estadão